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Coluna

Newton Sena
Publicada em 22/08/2016 às 13h29

Afastar jogador pode caracterizar assédio moral

              O assédio moral no ambiente trabalho é um fenômeno cada vez mais frequente, apesar de nem sempre ser visível, seja pelo silêncio da própria vítima, seja por uma cultura que ainda não se insurgiu completamente contra a violência psíquica ou psicológica, sendo utilizado, inclusive, como mecanismo de manutenção da hierarquia.

            Podemos conceituar o assédio moral, sinteticamente, na conduta continua e repetida do agressor que expõe a vítima a situações humilhantes, incômodas e constrangedoras, capazes de causar-lhe danos físicos, psíquicos, morais e, inclusive, existenciais, ou seja, que atente contra a própria noção de dignidade.

             Apesar de divergências doutrinárias, os principais elementos do assédio moral são: o dano; a repetição do ato e; a duração no tempo. Há quem inclua a intencionalidade, a premeditação, a intensidade da violência, dentre outros, todavia, considerando o objetivo da presente discussão, entendemos não haver necessidade de maior aprofundamento do tema.

            O assédio moral, nas relações de trabalho, tanto pode ser vertical, quanto horizontal: aquele se caracteriza quando há diferença de graus hierárquicos entre o agressor e a vítima e ocorre tanto de forma ascendente como, descendente – sendo esta a mais comum. Já no horizontal, tanto o agressor como a vítima têm o mesmo grau hierárquico.

             Dentre outras possibilidades, a finalidade do agressor é a de excluir a vítima de seu local de trabalho, minar a sua autoestima, fazê-lo se sentir um inútil, para que, com isso, ele peça a sua demissão - e, no caso do assédio vertical descendente, desobrigue o empregador a ter custos com a sua rescisão contratual.

             O atleta profissional está inserido na mesma dinâmica de trabalho como qualquer outro trabalhador, apesar de o seu contrato de trabalho ter algumas especificidades, como a necessidade imperiosa de ter um término pré-estipulado, quando a regra geral é de que os contratos sejam por tempo indeterminado.

             O fato de parte – ínfima, diga-se - dos jogadores de futebol ter status de verdadeiros pops stars, com altos salários, reconhecimento popular, a mídia a sua disposição, cria-se a noção de que eles não são empregados como qualquer outro que trabalhe em uma indústria metalúrgica, no corte de cana ou no comércio, por exemplo, sujeitos às mesmas obrigações e deveres, mas com as mesmas garantias, dentre as quais, a proteção da sua higidez psíquica.

             Constitui uma das principais obrigações legais do empregador a disponibilização de trabalho ao empregado, sendo absolutamente contrária a tal dever a determinação de ociosidade, principalmente numa atividade como a esportiva, onde o atleta necessita obter um novo contrato após o término do atual e, para isto, precisa estar em forma física e técnica.

             É prática comum no futebol profissional o afastamento do jogador, que não mais é relacionado para as partidas e, inclusive, deixa de treinar com o elenco principal, como mecanismo de pressão para que ele busque uma colocação em outra agremiação, sem que haja a necessidade de o clube dispor de recursos financeiros com a sua rescisão contratual.

             A questão que se coloca é: essa prática (o afastamento) pode caracterizar assédio moral?

             Primeiramente, há de estabelecer a premissa de que o jogador, pela legislação nacional, não pode exigir a sua escalação, ou seja, a agremiação não é obrigada a coloca-lo para jogar.

             De acordo com o art. 34, II, da Lei Pelé (Lei 9.615/98), é obrigação da entidade de prática desportiva empregadora proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais, não prevendo, portanto, a previsão de participação obrigatória do atleta em partidas ou competições desportivas – sendo esta uma decisão da comissão técnica.

             Todavia, conforme o referido dispositivo legal, a agremiação profissional tem o dever de manter o atleta em condições de competitividade, garantindo-lhe os meios necessários para que possa participar das competições desportivas, o que somente é possível se puder efetivamente treinar com todos os demais jogadores.

             Um atleta que treina isoladamente, sem contato com a comissão técnica e os demais jogadores do elenco principal, não tem condições de se desenvolver tecnicamente e de se condicionar para que possa participar das competições que a agremiação disputa.

            Ao ser afastado, o atleta não participa dos treinamentos táticos, não consegue entrosamento com os outros jogadores, ou seja, fica impossibilitado de desempenhar a sua atividade profissional de forma plena.

             Obviamente, nem todo afastamento tem a finalidade forçar o atleta a sair da agremiação, pois pode decorrer de problemas físicos ou médicos, que imponham um acompanhamento individual e temporário, sem que possa treinar com o restante do grupo.

             Entretanto, quando a agremiação não mais deseja aquele atleta, e para tanto, a fim de não arcar com os custos de sua rescisão contratual, resolve por afastá-lo, mesmo que lhe garanta condições de se manter fisicamente, como acesso à academia e ao campo de treinamento, porém em horários diferentes dos demais jogadores, estamos diante de uma nítida e típica situação de assédio moral.

             A questão, ora em comento, já foi objeto de demanda judicial: o São Paulo foi condenado a pagar R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) por danos morais ao jogador Rodrigo Fabri, por tê-lo colocado para treinar com os jogadores em formação do clube.

             Em outra decisão, três jogadores do Paulista de Jundiaí (SP) conseguiram as suas rescisões contratuais, por culpa do empregador, por terem sido impedidos de trabalhar, ou seja, de treinar.

             A prova judicial do assédio moral, normalmente, é uma das mais difíceis para o empregado, pois muitos atos são singelos, as ofensas são veladas, a redução da autoestima do empregado é realizada de forma sutil.

             Porém, no caso do atleta profissional, principalmente nos grandes clubes, aquela se torna um pouco mais fácil, pois em diversos casos os fatos são amplamente noticiados pela mídia, além de, não raramente, haver declarações de dirigentes comprovando que o afastamento teve por motivação única e exclusivamente o desinteresse da agremiação no seu trabalho.

             Já perdemos muito tempo tratando o atleta profissional como coisa antes do fim da “lei do passe”, chegou, então, o momento de tratá-lo como um profissional, tanto para se exigir o cumprimento de suas obrigações, mas também para lhe garantir todos os seus direitos, inclusive o de trabalhar e, acima de tudo, o de ter a sua integridade física, moral e psíquica preservada, por mais bem remunerado que qualquer jogador de futebol possa ser.

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