Salvador, 2039:
Bahia e Flamengo disputam mais uma partida pela Série A do Campeonato Brasileiro, no estádio da Fonte Nova, recém vendida para um conglomerado chinês, o mesmo da ponte de Itaparica. Nas arquibancadas, a torcida tricolor, ainda empolgada por mais um acesso à Série A, depois de três anos na segunda divisão, conta com o reforço de um zagueiro (reserva do Bragantino, para compor a equipe de transição do sub-20), dois meias (um ex-Luverdense e outro ex-Operário de Ponta Grossa) e um atacante veterano, oriundo da Desportiva Ferroviária de Caricacica. O Flamengo, ainda de ressaca pelo tetracampeonato mundial de clubes, recém conquistado na Inglaterra, vem com sua força máxima para o jogo.
Estima-se, uma hora antes da bola rolar, que os rubro-negros já ocupam mais de 70% das arquibancadas da FN, tendo o presidente carioca solicitado que a Polícia Militar deslocasse a divisória entre as torcidas para evitar uma tragédia, face à grande procura de torcedores flamenguistas por ingressos. O presidente do Bahia, Marcelo Belintani Santana, neto de dois ex-mandatários tricolores, comemora o público recorde, dizendo que o Bahia parte para cumprir a maior meta que é permanecer na Série A, e espera um bom resultado diante do Urubu carioca: “um empate seria um excelente resultado frente ao clube tetracampeão mundial” – asseverou. A torcida organizada Fla-Bahia, a maior do Estado, está a postos, com uma bela festa na Fonte do Futebol.
Finalizado o pequeno texto kafkiano, descontando-se as hipérboles de estilo, não seria surpresa se algo parecido se tornasse realidade daqui a uns vinte anos. Ao torcedor do acomodado e medíocre Bahia de 2019, no último final de semana, restou observar a chuva de gols em Goiânia e a chuva de fogos de artifício em diversas cidades brasileiras. O Flamengo, campeão da América com méritos, Brasileirão cortesia da casa, dá um importante passo para retomar o protagonismo absoluto dentre os torcedores brasileiros. A mídia impressa e internética só fala nisso, os “trending topics” futebolísticos só falam nisso.
Até o final dos anos 80, a torcida rubro-negra carioca era a segunda maior de Salvador, só perdendo para a do Bahia. O outro, aquele de Canabrava, era tido e havido como filial dos cariocas (o que é uma inverdade histórica, mas bom assunto para zoação). Menos de uma década depois, o time da Via Regional assumiu identidade própria e tomou o segundo lugar, em virtude do vice brasileiro conquistado nos anos 90.
Uma torcida é forjada por títulos e/ou conquistas e situações relevantes, e a mídia é um fator extremamente importante na sua disseminação. O pequeno aspirante a torcedor quer vestir camisa, quer gritar gol. Este colunista que vos escreve pertence a uma geração que viu Zico e cia ganharem tudo pela frente, apenas não se tornando rubro-negro por obra e graça dos seus familiares que o levaram ao bom caminho. Amém!
O próprio Vice de Tudo não melhorou sua situação no ranking das torcidas somente com o segundo lugar no brasileiro; também pelas sequências de campeonatos baianos e por triunfos históricos sobre seu maior rival.
Não se discute o papel da mídia na formação do torcedor. Credita-se, com propriedade, o mar de flamenguistas ao poderio e alcance de uma certa rede de televisão e rádio; mas como estamos na era da internet, isso deixou de ser uma desculpa. Os clubes nordestinos necessitam mais do que títulos (não é justo, no momento, exigir conquistas de alcance nacional por exemplo): necessitam recuperar um sentimento cívico. O Sul maravilha não encanta mais como antes, as capitais nordestinas viraram grandes metrópoles e não há, pelo menos nos maiores centros, motivo para comemorar o insólito campeonato carioca em plena Salvador ou Fortaleza – exceção histórica a Brasilia, por razões culturais.
A tristeza inerte do presidente Belintani, o assustador silêncio dos jogadores tricolores e a visível falta de brios como um todo tem como consequência o aterrador cenário descrito no começo deste texto. Não se trata de querer ser Flamengo, mas de querer ser Bahia. Comparações com o Atlético Paranaense são até mais factíveis, porém dizem respeito a duas cidades completamente diferentes social, política e economicamente.
Uma torcida amadurecida é aquela que não se deixa levar por promessas grandiosas, e nisso o presidente/prefeito wannabe não pode ser criticado. Porém, deve ser criticado quando não aproveita as janelas de oportunidade, quando repete os erros de gestões anteriores com tantas contratações, quando se resume, laconicamente, a dizer “que tristeza…” diante de mais uma derrota de longa sequência.
A maior prova do amadurecimento da torcida do Bahia será a de não aceitar “boa campanha”. Separar o candidato a prefeito do dirigente de futebol é tarefa dificil – mesmo vencendo em campo. Contudo, caso Belintani chegue ao Tomé de Souza, será mais na esteira do anticarlismo do que de sua eficiência como cartola – e o Bahia continua a ser o “time bacana de torcida folclórica” que o Sudeste quer que sejamos, porque o Flamengo precisa ampliar seus mercados.
Resignações tricolores!
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