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Coluna

Cássio Nascimento
Publicada em 11/01/2020 às 00h40

Dois goleiros, dois destinos e um machismo

Jean Paulo Fernandes Filho, soteropolitano de 24 anos, é herdeiro de uma boa dinastia de goleiros revelada no Esporte Clube Bahia. Seu genitor homônimo, ídolo dos anos 90 do século XX, poderia bem receber aqueles sufixos ou alcunhas que acompanhavam os monarcas medievais – no caso, seria “O Espalhafatoso”, em razão de suas importantes defesas de plasticidade deveras exagerada, especialmente as pontes e “mãos trocadas”. Nesta mesma linha de raciocínio, o filho, alto como o pai e tão ágil quanto, poderia ser chamado “O Galináceo”, porquanto sua passagem pelo Bahia notabilizou-se mais pela bola debaixo das pernas que nos tirou o título da Copa do Nordeste 2015...

Bruno Fernandes das Dores de Souza, nascido na Grande Belo Horizonte há 35 anos, teve uma infância e adolescência pra lá de complicadas: abandonado pelos pais, frequentadores assíduos dos arquivos policiais; e criado pela avó paterna, em uma dessas muitas perigosas cidades-dormitório circunvizinhas à capital mineira, tinha tudo para acabar como a maioria dos seus congêneres negros e pobres: preso ou morto (seja pela polícia ou pelo crime). Contudo, o futebol - ah, esse futebol maravilhoso!, viu no garoto alto e magro oportunidade de forjar mais um ídolo, o que de fato ocorreu. Revelado na base do Galo das Alterosas, foi repassado ao Corinthians e em seguida ao Flamengo. Não chegou a atuar pelo clube de Itaquera, mas tornou-se ídolo do Urubu da Gávea, sendo cogitado para assumir vaga na Seleção Brasileira – quem sabe na copa 2014? Só que não...

Jean, bem como Bruno, tem/teve comportamento conturbado durante suas carreiras. O ex-goleiro tricolor não chega a ser um delinquente real, com um cartel de reações explosivas como o abandono de uma reunião no São Paulo FC, clube do qual deverá ser demitido em breve; mas o ex-arqueiro-em-atividade mineiro coleciona um vasto histórico de agressões contra terceiros e passagens por delegacias por motivos diversos, além de confusões dentro de campo envolvendo companheiros de profissão. Jean adveio de um núcleo familiar abastado, porém conturbado: consta que seu pai se divorciou da sua mãe em razão de acusações de violência doméstica contra a mulher.

Bruno dispensa apresentações no que diz respeito ao seu histórico criminal: foi condenado à prisão pelo mando de um feminicídio mais do que abjeto (em princípio, qualquer homicídio seria algo reprovável, mas neste caso foi de fato algo asqueroso e repugnante). Dispensemos detalhes do torpe assassinato, cuja descrição pode ser compulsada nos diversos portais internéticos especializados. Nunca tive acesso a qualquer avaliação médica forense do dito cujo, mas, possivelmente, trata-se de um “sociopata”. De qualquer forma, considerando as Leis vigentes no Brasil, foi concedida “progressão de pena” ao Bruno, o qual está livre para exercer um ofício, dentro dos limites estabelecidos pelo Juízo.

Jean, por sua vez, não cometeu delito tão gravoso quanto seu colega. Enquadrado pela polícia judiciária estadunidense pelo crime de violência doméstica contra sua esposa, no qual resultou um olho roxo e uma cara inchada na mesma, retornou ao Brasil já famoso em nível nacional (o que não tinha sido até então), porém pelo pior dos vieses. Em plena Era das Redes Sociais, foi julgado e condenado pela opinião pública muito antes de qualquer sentença no Poder Judiciário (americano ou brasileiro). O seu clube, o São Paulo, antecipou-se a quaisquer repercussões institucionais e anunciou o desligamento do atleta do clube, sob a justa alegação de que um mínimo moral é esperado dos seus atletas, o que Jean teria infligido. Comentários mil choveram nas redes sociais, com famosos dando seu pitaco, especialistas analisando o óbvio e anônimos condenando o arqueiro à danação eterna – ignorando seus próprios argueiros familiares por muitas vezes...

Enquanto isso, Bruno continua tentando: com passagens efêmeras pelo Boa Esporte de Varginha, pelo Poços de Caldas e pelo desfiliado Montes Claros, em todas foi perseguido pela opinião pública, e os respectivos clubes, pressionados a demiti-lo. Veio, por agora, bater à porta do nosso conterrâneo Fluminense de Feira FC, duas vezes campeão baiano. O Touro do Sertão, acuado com a forte campanha nas redes sociais contra Bruno, desistiu do convite. O presidente do tricolor feirense, em uma extrema demonstração de sabedoria, vaticinou: “Foi um apelo da torcida, foi um apelo do povo, quem não ouve o povo é porque é maluco”.

Finalizadas as preliminares, algumas considerações podem ser feitas, tendo em vista o perfil de ambos goleiros: Bruno não foi acusado de violência doméstica, e, sim, de um assassinato nojento - um autêntico feminicídio multiplamente qualificado. Há de se indagar, para desespero de deterministas, lombrosianos ou rousseaunianos, se Bruno é uma pessoa “normal” (calma! Não estou dizendo que ele é inimputável ou algo do tipo!). Os antecedentes do crime cometido por Bruno também podem ser reprovados pelo cidadão médio, do ponto de vista moral, uma vez que ocorreu a partir de um adultério. Centenas de milhares de pessoas conseguem vencer na vida através do esporte, vindas de periferias tão ou mais violentas; ou de famílias tão ou mais desestruturadas, e não saem por aí matando pessoas e dando pedaços de seus corpos como alimento aos cães. Quanto ao ex-flamenguista, não resta dúvida de que, possivelmente, trata-se de um portador de grave déficit inato para a vida em sociedade.

O caso de Jean, por sua vez, expõe um drama que atinge milhões de famílias no Brasil e no Mundo. Um jovem abastado (para os padrões brasileiros) crescido dentro do futebol, o qual, possivelmente, emulou para com a esposa exemplo de dentro do seu lar original. Dispensemos análises sobre os antecedentes da agressão, os quais são de escrutínio exclusivo do casal: lembremos que há, de fato, diferenças físicas e psicológicas entre os indivíduos “XX” e os “XY” (Deus me livre de arrumar confusão com os amigos classificadores de fenótipos sexuais e de gênero!). Lembremos, também, que para nenhum dos dois sexos, gêneros ou seja lá o que for, é legítima a agressão física/psicológica/patrimonial, seja qual for seu motivador. Apesar de existirem casais que se agridem mutuamente com frequência; e de existirem pessoas que, conscientemente, aceitam ser agredidas, a Lei Maria da Penha, recentemente sancionada, é uma das maiores conquistas da mulher brasileira, a mais fragilizada no processo, desde a Lei do Divórcio, de autoria do grande senador baiano Nelson Carneiro. Jurisprudência afirma que a Maria da Penha não se restringe às agressões contra as mulheres pelos homens; e pode extrapolar os casamentos ou namoros ou amasiamentos: por exemplo, outras relações parentais e/ou familiais de caráter afetivo.

Jean cometeu um erro, e não foi pouca coisa. Poderia ter matado a sua esposa em um ataque de fúria, fazendo companhia a Bruno no Clube dos Assassinos pelas VEPs da vida. Jean pode ser comparado a Bruno não pela dosimetria dos crimes cometidos, e sim pelo ofício em comum, pela violência contra a mulher, pelo machismo e pelo histórico familiar conturbado, em maior ou menor grau. Ambos tiveram suas carreiras severamente marcadas pelos seus feitos extracampo, com o diferencial de que Bruno, já com certa idade, está condenado ao banimento eterno do futebol por uma “lei” não-escrita: a lei consuetudinária, por muitas vezes severa e implacável, porém tão legítima como a Lei Positiva para tal caso. “O futebol é muito sacralizado e importante para o povo brasileiro, de modo a se permitir que um pária como este possa voltar a conquistar fama e fortuna às suas custas”: este é o maior recado que as redes sociais deram para o goleiro Bruno.

A intolerância social com os feminicídios é relativamente recente, talvez venha desde os tempos de Doca Street há quarenta e tantos anos, porém é crescente. O feminicida ainda não alcançou o mesmo grau de rejeição tipo o do infanticida Nardoni ou da parricida Suzane, mas pelo menos desperta alguma indignação. Em se tratando de Bruno, há algo a mais do que a violência contra a mulher: há monstruosidade, há torpeza e maldade extremas, há falta absoluta de essência humana.

Jean, certamente, aprendeu alguma lição com todo esse burburinho. Deverá ser rapidamente esquecido à medida em que outros escândalos apareçam. Tem longa carreira pela frente em outros clubes, e deverá, pelo menos, buscar a recuperação da sua imagem, posto que os jogadores de futebol são um exemplo para jovens torcedores e aspirantes-a-atleta. Jean deverá encontrar outra namorada ou companheira; e terá a chance de mostrar que está regenerado – e sabe o que vai lhe acontecer, tanto no futebol quanto perante a Justiça, se incorrer no mesmo erro.

Quanto a Bruno, que siga sua vida, que arrume uma forma digna de subsistência e que tenha bons papos com a própria consciência – quem sabe, um dia, dando o direito de uma mãe saber onde o corpo da sua filha foi despojado?

Despedindo-me, desejo à toda a Nação Tricolor um ano de muito amor a todas as nossas mães, avós, companheiras, amigas, namoradas, amantes, peguetes, esposas, irmãs, filhas, netas etc. Não precisa dizer tudo isso só no oito de março não.... Saudações Tricolores!

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