(In memoriam das vidas tricolores cujos sonhos foram abreviados pela Covid-19)
A grandeza de um clube é medida pela grandeza dos sonhos que ele proporciona à torcida.
O sonho, analisado enquanto perspectiva subjetiva para um “algo a mais”, uma idealização do porvir, é inerente à espécie humana. O que seria da espécie humana sem os sonhos?
Neste passo, enxergamos um viés ligado à psiquê, com a licença, aqui, da mitologia grega, com Eros (amor) e Psiquê (alma), através da qual Freud define o sonho como “um produto do inconsciente psíquico”, em face do qual a espécie humana não detém o controle direto, posto que submetida aos elementos armazenados inconscientemente pela psiquê; lado outro, temos o “sonho concreto”, aquele que nutrimos em nosso dia-a-dia, de base existencial, um “respiro à alma”, um “caminho real para a integração” um bálsamo em meio às travessuras de um modelo civilizatório desumano, questão de saúde pública.
Creio, contudo, trocando em miúdos, que leitores e leitoras devem estar se perguntando: e o meu Bahêa? Cadê?
Ora, pois! Com a permissão de quem chegou até aqui, falar de futebol é falar originalmente de sonhos, de dimensão de sonhos, porque o ato de torcer envolve, essencialmente, paixão, idealização, amor e ambição. É falar de nosso saudoso Rubi Confete, quando consagrou: “O Bahia estando jogando e ganhando, Ave Maria, você pode passar uma semana com fome, mas vai passar com amor”. É falar daqueles e daquelas que abdicam de prazeres da vida, porque o maior prazer da vida é sonhar com um Bahia cada vez maior. E é aqui que eu volto ao início do texto: a grandeza do Bahia é medida pela grandeza dos sonhos que ele proporciona à torcida. E bem sabemos do que estamos falando.
Obviamente, contudo, que, em se tratando de um clube de futebol, os sonhos são subjetivos e, portanto, variados. Ademais disto, variam no tempo e no espaço. Vejamos.
Quem, aqui, não se lembra da célebre cena envolvendo os torcedores Jailton e Sr. Geraldo, este com o seu inseparável “radinho de pilha”, vibrando com o gol de Anjo Charles, contra o Fast, aos 50 minutos do segundo tempo, naquele inesquecível 07 de outubro de 2007? O sonho naquele jogo era, como sabemos, vencer o Fast e contar com a ajuda do Rio Branco/AC, para que o Bahia conseguisse avançar para o Octogonal Final daquela fatídica Série C de 2007.
E quem aqui não se recorda do célebre confronto entre Bahia x Athlético/PR, na Copa Sulamericana de 2018? O sonho, neste caso, era avançar de fase e encarar o Fluminense/RJ na Semifinal daquele campeonato, inclusive com chances concretas de avançar para as Finais e, quiçá, conquistar aquele título continental. O VAR foi decisivo, contudo, ceifou (ou adiou?) nossos sonhos, é martírio rememorar os detalhes.
Pois bem: estes dois exemplos, separados por 11 anos, são rigorosamente ilustrativos da ideia deste despretensioso texto.
Em 2007, sonhávamos com o Octogonal Final da Série C; onze anos depois, sonhávamos concretamente com o título da Copa Sulamericana. Saímos do abismo do futebol nacional, beirando o fundo do poço, e beiramos um sonho continental, algo antes inimaginável; saímos do sofrimento e da resiliência, com casos da conformação e fatalismo, e beiramos a realização de um sonho “além fronteiras”.
E é aqui que eu chego ao ponto principal deste texto: o Bahia pós intervenção resgatou para a sua torcida o sagrado direito ao imaginário no futebol, o legítimo direito de se sonhar, e de se sonhar alto. E sonhos não têm preço para a alma de um torcedor ou torcedora, convenhamos. Realizados, então, é um bálsamo.
E aí me veem à mente citações clássicas sobre este sonhar projetado plenamente aplicável a este Bahia de ontem e de hoje, sobre este “caminho real para a integração”: “Mire na lua, pois, se você errar, acertará as estrelas”, é a célebre frase do Dr. David Schuwartz, em seu livro “A mágica de Pensar Grande”. Mario Quintana, por sua vez, certa feita profetizou: “Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas”.
Sobre este “direito de sonhar”, o saudoso escritor uruguaio Eduardo Galeano, em um texto publicado em um jornal argentino, em 29 de outubro de 1997, com o título “El Derecho de Soñar”, escreveu:
“Sonhar não faz parte dos trinta direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram no final de 1948. Mas, se não fosse por causa do direito de sonhar e pela água que dele jorra, a maior parte dos direitos morreria de sede. Deliremos, pois, por um instante. O mundo, que hoje está de pernas para o ar, vai ter de novo os pés no chão”.
Pergunto-lhes: Marca própria, Loja Esquadrão, Sócio Digital, marketing multipremiado, Museu do Bahia, Universidade do Bahia, CT Evaristo de Macedo, estabilidade de um elenco próprio, contratação e permanência de jogadores antes inalcançáveis e respeitabilidade nos torneios que disputa não seriam, nas lições de Eduardo Galeano, “a água que dos nossos sonhos jorraram”, sob pena de nossos sonhos tricolores morrerem de sede? Pois são! Mas e os grandes títulos? Virão deste caldeirão. Sem sobressaltos. Aprendamos com os exemplos.
Pois é o ponto, repiso: dentre as inúmeras virtudes e avanços proporcionados pelo Bahia à torcida nos últimos anos, a despeito de existirem pontos que mereçam justas críticas (papo para um outro texto), o que vejo de mais valioso e que sintetiza este “eu torcedor” é justamente isto: o resgaste do sagrado direito de se sonhar alto! Em verdade, todos os avanços e virtudes conquistados pelo Esporte Clube Bahia nos últimos anos se encontram em uma mesma causa-consequência: das utopias à realidade, com a licença de Quintana.
E se um dia sonhávamos em resistir em campeonatos, com a nossa antes inseparável calculadora, hoje sonhamos concretamente em hegemonizar a Copa do Nordeste, em chegar às fases finais da Sulamericana e da Copa do Brasil, em estabilizarmos no “pelotão de frente” do Campeonato Brasileiro e em voltarmos à Copa Libertadores depois de longos anos sem alcançá-la. E os percalços? Estão me questionando? Ora, a despeito de indesejáveis e vexatórios (Sampaio Correia/MA e River/PI que o digam), fazem parte do caminho de qualquer esporte, estanquemos as feridas. Logo! E aí eu peço licença a vocês, leitor e leitora, que, por direito, pensam diferente de mim, para dizer-lhes: “Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo…”. Que o Bahia, com as pedras, aprenda o caminho das pedras e construa o seu castelo de títulos!
Os sonhos, contudo, e aqui deixo claro, são só o início, o primeiro passo, o trampolim, não um fim em si mesmo, sob pena de se tornarem sonhos em vão, desilusão. E é aqui que “entra de sola” a famosa ambição, o “modo Gregore ativado”, o exato liame entre o sonho e a realidade, o sonho temperado com dendê, a sede pela água que do sonho jorra, relembrando Galeano. Ambição é a palavra de ordem para a temporada 2020/2021!
Ressaltemos, portanto, que a recuperação deste legítimo “direito de se sonhar alto” é apenas o primeiro e grande passo para as grandes conquistas. E não façamos ‘pouco caso” deste sagrado direito de se sonhar. Quem já viveu o pesadelo da Série C sabe o valor deste direito de sonhar resgatado pelo Bahia de hoje.
Mas não, não nos contentemos apenas com o “direito sagrado ao sonho”, e, sim, com o “direito sagrado à realização dos sonhos”. Quero grandes triunfos, grandes títulos, grandes conquistas, novos patamares, mas toda grande conquista já foi, antes de tudo, um grande sonho, uma fantasiosa ambição. E já se vê no elenco deste ano, vale destacar, manifestações demonstrando maiores ambições, o que já é um excelente sinal, concorda?
Sigamos neste passo: grandes sonhos, grandes ambições e grandes realizações. Joguemos este jogo. De tabela. E se eu te lembrar que, tal qual a atual temporada, 2020/2021, os títulos de 1959 e 1988 foram conquistados no ano seguinte, em temporadas que entraram pelo ano subsequente? Há espaço para a mística? O futuro dirá.
Hoje em dia, se me pedissem uma sugestão para o nosso festejado Estatuto do nosso amado Esporte Clube Bahia, eu sugeriria apenas um novo Artigo 1º: “É dever do Esporte Clube Bahia garantir à torcida o direito legítimo à realização dos sonhos”.
E arremato, aqui, com o pai do nosso rock brasileiro, o nosso eterno e célebre baiano Raul Seixas: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”. Sigamos juntos, grandes coisas virão, juntos venceremos! A ver!
Saudações de Rádio Bara (Twitter: @radio_bara).
Abraços,
Rodrigo Barata
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