é goleada tricolor na internet
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Publicada em 26 de julho de 2009 às 00:00 por Autor Genérico

Autor Genérico

É incríver!

Das muitas lembranças que trago da minha infância em Nazaré (cidade do Recôncavo), uma das que mais se ressaltam com afetividade e como lição de vida é a imagem de Dona Pomba.

Dona Pomba era uma cabocla. Era uma mameluca. Era uma mestiça de várias gerações. Era um tipo humano desses que parecem ter acabado de sair simultaneamente de uma taba indígena, de uma Casa Grande e de um quilombo (como a grande maioria de todos nós baianos do Recôncavo). Não era desses falsos quilombolas que estão pipocando aqui e ali para ganhar as benesses que agora estão sendo destinadas pelo poder público a esses grupos inconsistentemente definidos, mas constantemente recompensados (ou reparados, como virou moda dizer) com nosso dinheiro.

Seu timbre de voz era bem característico: Dona Pomba falava grosso. Era uma voz rouca, mas afável. Seus olhos miúdos, orientais, pareciam já ter visto de tudo nessa vida, mas ainda conservavam, explicável ou inexplicavelmente, uma vivacidade e uma alegria contagiantes.

Dona Pomba era forte. Pode até parecer uma redundância, mas ela era forte. Só precisou de homem na vida para ser reprodutor, pois tratou de criar sua prole sozinha. Dona Pomba dava um duro danado. Ela era varredora de rua – denominação que usávamos em Nazaré para o que hoje se chama genericamente de gari. Aos sábados, sua carga de trabalho era a máxima: após a feira (lá pelas 4 da tarde), as mulas (e eqüinos em geral) que os “roceiros” usavam para transportar suas mercadorias deixavam inúmeros excrementos pisoteados nas reentrâncias entre os paralelepípedos. Vi diversas vezes Dona Pomba sentada, paciente e diligentemente, num pequeno banquinho, desprendendo com uma ferramenta, tipo espátula, esses dejetos, e recolhendo-os depois com vassoura e pá para o carrinho de mão com a inscrição “P.M.N.” (Prefeitura Municipal de Nazaré). Tudo tinha que estar perfeitamente limpo até às 6 da tarde! Dona Pomba dava conta do recado – sozinha!

É lícito supor que Dona Pomba ganhava uma miséria por esse trabalho. Por conta disso, ela necessitava complementar seu orçamento com tarefas adicionais. Assim foi que ela passou a ser lavadeira das roupas lá de casa. Levava a trouxa de roupas sujas, lavava sabe-se lá onde, e as devolvia limpinhas, cheirosas, engomadas e passadas, arrumadas sobre uma tábua que vinha transportando na cabeça desde os confins da Catiara, onde morava. Além disso, meu pai a contratou para realizar periódicas capinagens no nosso quintal. Dona Pomba era também boa na enxada. E, dessa forma, eu comecei a ter mais intimidade com ela. Conversávamos muito enquanto ela ia arrancando os matos indesejáveis, com invejável destreza e energia. Com o tempo, ela passou a ser uma extensão da nossa família, almoçava conosco (na mesma mesa) e passou também a executar outras tarefas domésticas (remuneradas) em nossa casa. Outra das muitas habilidades de Dona Pomba era rezar a gente contra mau-olhado, pé desmentido, íngua, espinhela caída e outras patologias totalmente desconhecidas da Ciência contemporânea.

Creio ser desnecessário dizer que Dona Pomba era analfabeta. Mas tinha ambições de inserção social mais elevada. Por não se conformar com essa condição, certa feita, ao embarcar no navio El Rey, que saía direto da Bahiana (no cais da Praça Cairu) para Nazaré, ela ficou incomodada ao ver as pessoas lendo jornais e revistas e decidiu também comprar um jornal. Com ar triunfal e orgulhoso, sentou-se no navio e começou a passar as vistas no jornal, mexendo a cabeça lateralmente e balbuciando palavras como se estivesse lendo. Pouco tempo depois, um passageiro se aproximou dela e lhe disse discretamente que o jornal pretensamente lido estava de cabeça para baixo! Longe de se incomodar ou se sentir humilhada, Dona Pomba agradeceu, justificou o lapso pela ausência dos óculos e continuou orgulhosa a sua pantomima. Ela costumava contar esse episódio com o melhor bom humor que já vi. E havia uma expressão que ela usava caracteristicamente: “É incríver!”.

Dona Pomba era realmente incrível. Tanto, que fui evocar justamente ela depois dessa sofrida e heróica virada do Bahia contra o Vasco. Foi essa a expressão que eu me vi pronunciando espontaneamente ao final da partida. “É incríver!”.

Incrível é aquilo em que não se pode acreditar. E confesso que não podia crer numa virada contra o Vasco, estando o Bahia com um homem a menos, com o time meio desarticulado, sem muita penetração e sem claras jogadas contundentes lá na frente.

É incrível que tenhamos jogadores razoavelmente remunerados e que eles não mostrem um empenho e desempenho similar ao de Dona Pomba – que não ganhou durante toda a sua vida o que esses jogadores ganham em um mês.

É incrível que seja necessário a torcida praticamente entrar em campo, se esgoelar freneticamente, para fazer esse time se mover para frente e tentar se impor no seu mando de campo.

É incrível que haja árbitros de futebol e bandeirinhas tão ruins no quadro da CBF e que, ainda por cima, esses incompetentes sejam escalados seguidamente para marcar os jogos do Bahia.

É ainda mais incrível que esses árbitros, não contentes em serem apenas fracos tecnicamente, ainda se achem no direito de “errar” sucessiva e sistematicamente contra o Bahia, distribuir cartões amarelos e vermelhos totalmente despropositados para o nosso time. E aqui dentro de nossa casa!

É incrível, incredibilíssimo, que esses árbitros ruins sejam, em sua quase totalidade, dos estados vizinhos aqui do Nordeste e que puxem a brasa para a sardinha dos times do Sul. Descaradamente.

É incrível ver tantas caravanas de torcedores do Vasco vindas de cidades do interior da Bahia, de Sergipe, de Alagoas e até mesmo de soteropolitanos. Nenhum deles nascido do Rio de Janeiro, onde são chamados genericamente de “paraíbas”. Quanta gente colonizada, meu Deus! Nesse caso, o adjetivo mais adequado nem é incrível – é deplorável. Costumo sentir muita vergonha quando vejo pessoas daqui da Bahia (baianos) enviando e-mails para programas esportivos do Sul, dizendo “o meu São Paulo”, “o meu Fogão”, “o meu Barcelona”, “o meu Chelsea”. Eu sei que eles estão exercendo o seu direito sagrado de serem ridículos, mas eu não me furto ao meu direito de sentir pena ou desprezo.

Por fim, minha gente, para quem se acostumou a ver inúmeros exemplos de superação dos times montados pelo Bahia em passado nem tão remoto, ver a nova geração de nossos torcedores tendo a percepção de ressurgimento de nossa estrela ao entoar no estádio o canto “ÔÔÔ, meu tricolor voltou!” é mais do que incrível – é “incríver”!

A bênção, Dona Pomba!

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