Estatuto do Torcedor e o bom senso

Fiquei surpreso ao chegar em Pituaçu na última quarta-feira e ver o estádio todo cheio e boa parte do setor em frente às cadeiras quase vazio. Pensei comigo: será que a turma tricolor radicalizou e não quer mais nem sentar onde a torcida rosa-e-cinza senta nos Ba-Vis? Comentei com meu amigo Paulo: tudo bem, já deve ter dado tempo de desinfetar, vamos lá. E assim o fizemos.

Em lá chegando, contudo, qual não é nossa surpresa: uma fila de policiais barrava a passagem. Não entendi. O resto do estádio estava lotado e naquela área ali ninguém podia sentar. Comecei a ensaiar um discurso, que história é essa? Um policial, com a gentileza de que foi capaz, me explicou que aquela área estava reservada para a torcida do Coritiba. Fiquei espantado: para a torcida de quem, meu senhor? O Coritiba não tem torcida nenhuma aqui.

Com cara de quem no fundo estava concordando, o policial explicou que se tratava de uma exigência do Estatuto do Torcedor. Tem que destinar dez por cento do estádio para a torcida visitante, tenha ou não o visitante torcida em Salvador. Agradeci ao policial e consolei-o: fique tranqüilo, sei que são ordens, estou certo de que o senhor não teria uma idéia idiota dessa.

Pois bem, já que era para ficar de pé mesmo, então pelo menos resolvi tomar uma cerveja para aliviar. De novo o Estatuto do Torcedor: cerveja, na Copa do Brasil, só sem álcool. Mas, para que diabos pode servir uma cerveja sem álcool? Pedi uma água mineral. Meu amigo Paulo, desavisado, só se lembrou da proibição quando já estava com uma Líber na mão, depois de pegar uma tremenda fila, sentindo que fazia o maior papel de besta.

Está certo, está certo, o Estatuto do Torcedor tem que ser respeitado, é voltado para garantir o conforto do consumidor do produto futebol etc., etc., não podemos discordar disso. Vamos até admitir que é uma atitude prudente proibir o consumo de álcool nos estádios. Afinal, nem todo mundo sabe beber e tem mesmo muita cabeça quente nessas torcidas organizadas – muito mais em outros lugares do que aqui na Bahia, mas a lei é a mesma para todo mundo, não tem uma diferente para cada lugar.

Portanto, tudo bem, vamos então respeitar a lei, mas pelo amor de Deus, nos batam um abacate, reservar dez por cento dos lugares de Pituaçu para a torcida do Coritiba é demais! Que torcida? A área estava praticamente vazia, com uns quinze gatos pingados, enquanto a torcida do Bahia – esta sim, existente – ficou apertada e muita gente, como eu, terminou vendo o jogo de pé. Cá para nós, não é possível que uma idiotice dessa vá prevalecer em Pituaçu em todos os jogos da série B.

Quando o Bahia for enfrentar o Vasco, por exemplo, é até justo que se reserve uma área dessa, pois o Vasco realmente tem torcida em Salvador, assim como têm o Flamengo, o São Paulo, o Santos, o Corinthians, o Botafogo, o Fluminense, o Palmeiras. Mas não dá para aceitar como medida de bom senso segurar dez por cento da lotação de um estádio aqui em Salvador para acolher torcidas absolutamente inexistentes. Isso, é claro, vale também para os jogos do vice, lá no Barralixo, porque lei é lei e o pau que dá em Chico dá em Francisco.

Enfim, todo apoio ao Estatuto do Torcedor, mas ninguém tenha dúvida de que vai ser de lascar tomar cerveja Líber e ainda ter que guardar lugar para a torcida do Bragantino, do Campinense, do Ipatinga ou do Atlético de Goiás. Com todo respeito, é claro, tanto à inocente cerveja quanto aos citados clubes – e a outros sem torcida que por aqui venham.