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Publicada em 28 de janeiro de 2008 às 00:00 por Autor Genérico

Autor Genérico

Fonte inesgotável

A última vez que dei uma penada aqui neste espaço foi numa crônica emocionada após o jogo do Bahia contra o ABC, na Fonte, intitulada “Uma Ode ao Eterno”. Pensei em deixar essas palavras como as minhas últimas e definitivas, porque depois das cenas lamentáveis que cercaram o jogo contra o Vila Nova e o seu entorno, eu perdi o tesão, a inspiração, e não me dispunha mais a voltar a escrever.

Saí da Fonte, após esse fatídico jogo, com uma sensação enorme de amargura e apreensão. Ainda não tinha tomado conhecimento das mortes, mas o que vi nos últimos 10 minutos de jogo (jogo?), com aquela atitude covarde de dois times se negando a atacar, desrespeitando o público, a competição, a ética, a moral e os bons costumes, já davam um tom sombrio ao que nos esperava. A comemoração desmedida dos torcedores ao final do jogo e as cenas de selvageria, histeria injustificável e depredação do campo de jogo, carro-maca, alambrado, etc, me deixaram com aquela inexorável impressão de “isso vai dar merda”.

Já prevendo as conseqüências punitivas que viriam, disse a meu filho: pode se preparar porque, depois do que aconteceu hoje, você não vai ver o Bahia na Fonte tão cedo! Só não esperava é que essa profecia fosse se realizar trocando o “tão cedo” pelo “nunca mais”!

Fiquei sabendo da ocorrência de mortes no estádio apenas ao chegar em casa e me deparar com o semblante, ao mesmo tempo, nervoso e aliviado de minha mulher, que já tinha sido informada do infausto acontecimento. Duvidei a princípio que tivesse ocorrido alguma morte, porque, das cenas que presenciei, a que parecia ter tido uma gravidade maior houvera sido a queda do alambrado do gol da Ladeira, quando um monte de gente se engurupitou nele, ao mesmo tempo, ao sair correndo da polícia. Eu não acreditava que dali pudesse ter resultado morte de alguém. Nem me passou pela cabeça imaginar que aquele clarão que eu vi se formar no lugar em que fica a Bamor tivesse relação com o incidente. Pensei equivocadamente que a Bamor havia descido para invadir o campo e comemorar a classificação para a Série B, embora não visse nenhuma razão para tanta comemoração. Mas o fato é que foi ali que o chão faltou literalmente para a torcida do Bahia…

A imprensa daqui e dacolá deitou e rolou em cima da tragédia semanas a fio. Criou-se um clima de caça às bruxas, de busca de culpados, como sói acontecer nessas situações. Só faltou dizer que a tragédia aconteceu porque a pista da Fonte Nova não tinha “grooving” (ranhuras). E todo o mundo que era responsabilizado ia de pronto se esquivando e tirando o braço da seringa. Sentindo-se pressionado, o governador Jaques Wagner, para não parecer negligente, tratou logo de dar uma resposta, ao melhor estilo comandante-em-chefe, interditando a Fonte por tempo indeterminado ou para-sempre-forever e logo depois decretando a sua demolição, implosão, remoção, sumiço total, para ali construir um moderno estádio-arena-multipoliplurifuncional para a Copa de 2014.

Não por causa da comemorativa invasão de campo após o jogo, mas por conta das sete fatalidades registradas na arquibancada, o Bahia acabou sendo punido pelo Tribunal de Justiça Desportiva da CBF com sete jogos sem a presença de sua torcida – um jogo para cada morte, para servir de exemplo, segundo eles. Que beleza de decisão dos doutos juízes torcedores do Botafogo! Eles deixaram clara a mensagem que, de agora em diante, qualquer time que, deliberadamente, matar um torcedor na arquibancada ou nas cercanias já sabe: fica sem torcida! Menos os times do Rio e de São Paulo, claro. E estamos conversados.

Se a intenção dos juízes era de contribuir para matar também o Bahia, acho que foram de uma precisão cirúrgica. Só fico imaginando se, numa analogia, uma companhia aérea que tem um avião acidentado resultando na morte de 150 pessoas obteria da justiça uma sentença exemplar de colocar seus aviões para voar vazios por 150 dias! Ou se essa empresa seria condenada a ter que operar sem receita por 150 dias! Pois a decisão do Tribunal da CBF é tão esdrúxula quanto esse exemplo que acabei de dar, que nem é tão analógico assim ao caso do Bahia, que não causou diretamente acidente nenhum. Mas ninguém questionou nada! Parece que todo o mundo achou a punição justa. Tenham dó! Parece que os advogados do Bahia são contratados para agir como inoperantes e reagir como atônitos. E se o caso fosse de uma morte decorrente de um ônibus alugado pelo Bahia ter atropelado um transeunte? Ou de uma roda do ônibus alugado ter-se desprendido e atingido fatalmente alguém ao chegar ou sair do estádio? Qual seria a culpa ou punição do Bahia? Se o Direito reserva responsabilidade solidária para esses casos, o negócio não anda lá muito direito.

O fato é que agora estamos no mato, sem cachorro e com a caipora nos rondando. Estamos jogando provisoriamente em Camaçari, cujo estádio estava em condições deploráveis à época da tragédia da Fonte, segundo eu vi em imagens de reportagem da TV, mas que passou por algumas intervenções cosméticas e foi liberado. A reforma do estádio de Pituaçu parece que vai se transformar numa novela de Janete Clair, porque as obras emergenciais prometidas para ampliá-lo e colocá-lo em condições foram embargadas pelos paladinos defensores do dinheiro público, que não foram tão ciosos à época da construção do estádio do aterro sanitário, quando o governo do Estado andou injetando nosso dinheirinho lá e ficou por isso mesmo. Minha impressão é que Pituaçu será a obra do século: vai durar 100 anos para ser feita! – se for feita algum dia. Eu até preferia que não fizessem nada mesmo, porque lá naqueles confins da Paralela dos radares e dos engarrafamentos eu não piso os pés. Muito menos no estádio do aterro sanitário, que só vi acidentalmente pela janela do avião uma vez e depois nunca mais olhei nem olharei.

O Bahia já está cogitando mandar os seus jogos da Série B lá em Aracaju City! É mole? Era previsível. Desde o dia do jogo da tragédia que eu já cantava essa bola. Quando o governador JW anunciou que iria implodir a Fonte e construir outro estádio eu calculei, otimisticamente, um prazo de 03 anos nos quais ficaríamos sem ter onde jogar. Depois apareceu essa opção de Pituaçu para dentro de 03 meses, 04 meses, 06 meses… Agora o legalismo cínico fez desaparecer a opção de Pituaçu, que vai para as calendas gregas. Aí volta a interrogação. E a Fonte? O que vai ser feito dela? Parece que o governo vai esperar até o final de 2008 para decidir o que fazer. De-ci-dir.

No programa Nação Tricolor da Rádio Excelsior, eu ouvi do vereador Téo Senna (amigo de infância lá em Nazaré e ponta-direita do meu antigo Bahia) um questionamento que eu mesmo já fazia domesticamente: por que não aproveitar o anel inferior da Fonte, enquanto não se decide o destino desse querido estádio que vem sendo tão demonizado? O anel inferior da Fonte apresenta os mesmos problemas de segurança do anel superior ou, por ter sido construído em outra época e com outros parâmetros técnicos (maior espessura da laje, por exemplo), tem uma estrutura melhor? A região das cabines de rádio, TV e tribuna de honra têm problemas estruturais ou esses locais podem ser utilizados sem problemas? Se o Bahia vai jogar 07 jogos sem torcida, por que não jogar na Fonte? A torcida levou o gramado todo ou ele ainda está lá? Os refletores ainda acendem ou vão explodir, se acionados? As redes de futebol de botão ainda estão lá?

Pois é, não tinha mais intenção de escrever, achei que a fonte tinha secado, mas acabei me rendendo à necessidade de desabafar e também de tentar dar repercussão a essa idéia de Téo (quem sabe fosse mais prudente eu me manter calado, sem mexer nesse vespeiro). Já tem gente dizendo que Téo é um irresponsável e que “quer completar a tragédia da Fonte”. Continuamos reagindo emocionalmente, antes de considerar qualquer argumento racional. Eu me apoio na opinião de profissionais da Escola de Arquitetura da UFBa, que não vêem nenhuma necessidade de demolir a Fonte – o que me faz concluir que a estrutura vertical do estádio não está comprometida, portanto não vai cair na minha cabeça. Isso não é questão de fé ou fanatismo: é Ciência! E é a crença na Ciência que me faz entrar num avião, mesmo com um medo desgraçado daquela zorra.

Se o anel inferior for liberado por um engenheiro mais competente que o que liberou o anel superior (e que foi indiciado por homicídio culposo – sem intenção de matar), você vai lá numa boa? Vai não? Eu vou! E ainda assino um termo de responsabilidade isentando o Bahia de qualquer mal súbito que eu possa sofrer. Minha mulher não vai deixar nem a pau, mas eu vou!

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