é goleada tricolor na internet
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Publicada em 4 de abril de 2015 às 00:00 por Autor Genérico

Autor Genérico

Identidade e facetas: O Bahia no espelho

O que é possível realizar em 105 dias? Não é tão pouco tempo quanto parece. É mais que os 90 previstos no contrato de experiência regido pelo parágrafo único do artigo 445 da CLT. É tempo suficiente para a gestação completa do roedor da família dos cavídeos – a nossa simpática preá. Foi o tempo exato que o aventureiro Ben Saunders levou para completar a expedição da costa da Antártida ao Pólo Sul – ida e volta. Foi o tempo que esperei para externar minha opinião neste prestigioso espaço sobre os primeiros meses da gestão da nova diretoria do Bahia. Mantive minhas impressões restritas às redes – ditas – sociais. Quase rompi o silêncio um par de vezes, mas tomei um prato caudaloso de canja de galinha com cautela. É receita que não faz mal a ninguém, como versou Benjor.

Marcelo Sant’Ana assumiu a presidência uma semana antes do Natal. Não ter bonecos de Judas com sua cara espalhados pela periferia da cidade no sábado de Aleluia, outra nobre data do calendário cristão – onde mesmo sem água ainda resiste a tradição da queima do boneco traidor – é um grande trunfo. Não faltaria jornal com suas colunas de jornalista para preencher os títeres que serão incendiados à meia noite. Nem faltaria gente disposta a malhar sua embrionária administração. É fácil ser crítico se você se predispõe a criticar tudo. No futebol então, com toda a dose de aleatoriedade que apimenta e apaixona a relação entre clube e torcida, é algo tão simples quanto driblar Chicão na velocidade.

O que reporto como o grande feito da gestão de Sant’Ana até agora não é a classificação para as semifinais do Ednaldão e Lampions League. Não é o futebol consistente e fiel à proposta de protagonista nas partidas. Não são as mudanças gerenciais introduzidas no clube, com a contratação de profissionais de respaldo para diferentes setores do clube, nem a valorização de pessoas daqui neste processo de reengenharia. Não é a aplicação de uma política para base que enxergue os garotos como força motriz no processo de soerguimento do clube – com trabalhos unificados com o profissional, contratos que o protejam como futuro e patrimônio do Bahia e planejamento que atenue o impacto para a transição do time de cima. Não é sequer o novo contrato costurado com o consórcio que administra a Fonte Nova, que permitirá ao clube maior autonomia, participação e gerência no ciclo de captação de novos sócios e de retorno do torcedor ao estádio. O grande mérito é ter feito tudo isso até agora tendo como balizador algo que Marcelo repete desde os tempos de crítico e que adaptou ao discurso de candidato: A busca pela identidade, pelo DNA tricolor – como ele gosta de pontuar.

A imagem que ficou do Bahia nos últimos vinte anos foi muito mais que de um clube anacrônico, perdido diante das mudanças que o futebol sofreu dentro e fora das quatro linhas. Ficou a imagem de um clube em litígio com seu passado: Perdeu a força regional e caiu para o segundo escalão do futebol nacional; deixou de ser um time vibrante e ousado para murchar para um escrete refém do resultado em campo e de toda a debilidade que tal tipo de estratégia requer: Não basta errar pouco, é necessário que o adversário também falhe e que você esteja preparado para capitalizar tal erro. A casualidade passou a ter uma força descomunal num clube que historicamente se construiu avassalador: Em três décadas já era o maior vencedor do Estado e era campeão nacional. Mais que simplesmente uma queda brutal dos resultados em campo o último terço da história do clube criou um arranhão na forma que a torcida, mídia e dirigentes enxergam o Bahia: Passou a ser um fantasma de si mesmo.

Tenho o exemplo prático dessa transmutação do clube dentro de casa. Meu pai parou de frequentar estádio no final dos anos 90, aborrecido não com resultados, mas com a passividade do time. Segui indo sozinho à Fonte e sempre que voltava ele provocava: Gostou do SEU time? Nunca deixou de torcer e acompanhar, mas criou um afastamento para manter o mínimo de empatia com a instituição. Minha filha, 15 anos, já tem outra relação com o time: Torce freneticamente e gostaria de ir em todos os jogos, mesmo tendo vivido a pior fase do Esquadrão. A paixão do torcedor prescinde de resultados, mas cultivar a identidade do clube, fazer com que o orgulho suplante as agruras dos placares adversos é fundamental para o fortalecimento da instituição.

Nesses três meses, curiosamente, as grandes polêmicas do clube gravitaram em torno desta busca pela identidade: O retorno da cruel paixão da torcida não concretizada; a conversão do garoto torcedor do rival tal qual Paulo na estrada de Damasco – Fez-se a luz e as trevas rubro-negras dissiparam da vida do impúbere; a falsa musa destituída pela afinidade com as cores rivais, não sem antes rebatizar nosso artilheiro do ano: KINHEZO!

A nova diretoria parece entender que buscar a reaproximação com a identidade esquecida no passado é o molho que vai amalgamar a receita de gestão que planejaram: Responsabilidade com finanças, fortalecimento e aproveitamento da base, protagonismo nos jogos e cumplicidade no tratamento da torcida. Modernidade na gestão, atavismo na relação com a arquibancada. Resultados em campo reconhecidos como consequência, não como causa desse processo.

É cedo demais para se empolgar, é justo criticar as derrapadas que sempre existirão (alô Chicão!) mas não há como negar que o Bahia de agora demonstra ser mais cônscio da sua verdadeira personalidade e pujança: Aquela que emana do povo que veste azul, vermelho e branco. Trazer a torcida para participar dessa retomada é mais que uma estratégia: É a única saída possível.

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