Em 7 de janeiro deste ano, desembarcava no Rio de Janeiro Mr. John Textor, o investidor norte-americano que através do fundo Eagle Holding sinalizou disposição de investir cerca de R$ 400 milhões no Botafogo-RJ, através da criação de uma Sociedade Anônima de Futebol (SAF), a grande novidade do futebol brasileiro, introduzida pela Lei 14.193, de 2021, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco (MG). Na sequência daquele desembarque, as manchetes dos jornais davam destaque ao jovem Thiago Maia, torcedor do “Glorioso” que ofereceu a Mr. Textor uma nota de R$ 20,00, possivelmente para ajudar na hercúlea tarefa que se desenhava. O norte-americano gentilmente recusou a oferta.
A oferta e a recusa num mesmo ato dizem muito sobre o ambiente do futebol brasileiro. Especialmente sobre a contradição que caracterizava esse ambiente há quase um século, marcado pelo amadorismo das associações sem fins lucrativos embora atuassem num contexto de competição, cuja necessidade de ganhar impõe a contratação dos melhores, requerendo para isso recursos financeiros. A realidade competitiva impunha a realidade econômica da busca por lucros (disfarçados) ou por endividamento crescente, origem da crise atual de muitos clubes.
A SAF responde assim ao anseio de modificar o modelo de gestão dos clubes, aproximando-os de ferramentas modernas, inclusive do mercado financeiro, sem distanciá-los de suas origens. Como disse o Senador Rodrigo Pacheco, na justificativa do Projeto de Lei: “para transformar a realidade do futebol no Brasil, afigura-se necessário oferecer aos clubes uma via societária que legitime a criação desse novo sistema, formador de um também novo ambiente, no qual as organizações que atuem na atividade futebolística, de um lado, inspirem maior confiança, credibilidade e segurança, a fim de melhorar sua posição no mercado e seu relacionamento com terceiros, e, de outro, preservem aspectos culturais e sociais peculiares ao futebol”.
A criação das SAF não é uma obrigação, é opção. A lei foi feita sob medida para Cruzeiro e Botafogo, clubes superendividados (dívidas superiores a R$ 1 bilhão). A ideia é possibilitar o equacionamento de dívidas, melhorando o modelo de gestão e oferecendo aos clubes maior governança. Não existe um modelo único para a SAF, ele deve ser construído “sob medida” para cada clube e para cada situação específica. Para isso é importante que os clubes contratem assessorias profissionais ligadas a eles, clubes, não aos investidores, já que é grande o risco do conflito de interesse.
Criada a SAF, essa recebe o patrimônio do clube (obviamente aquele ligado ao futebol), assim como a responsabilidade por definir salários e por fazer contratos e acordos (patrocínio, cotas de TV, dentre outros). A SAF receberá também os direitos de imagem, de participação em competições e as receitas de vendas de produtos e de negociação de atletas.
A grande diferença com as empresas sociedades anônimas (S/A) digamos “comuns” é a questão da tributação. Nos primeiros 5 anos de vida, as SAF pagarão um tributo único de 5% sobre suas receitas, que não incidirá neste período sobre aquelas decorrentes da negociação de atletas. A partir do 6º. Ano, essa alíquota cai para 4%, mas já passa a incluir as receitas de transferências de jogadores. A título de comparação, S/A “comuns” pagam cerca de 34%.
E como serão pagas as dívidas anteriores à criação da SAF? Durante 6 anos, o clube original receberá 20% das receitas anuais e 50% do “lucro” (dividendos e juros de capital próprio), a cada exercício, os quais devem ser dirigidos obrigatoriamente ao pagamento dos credores. Caso tenha alcançado o pagamento mínimo de 60% das dívidas após seis anos, o clube poderá estender esse pagamento por mais 4 anos, podendo reduzir o percentual das receitas para até 15%.
Por fim, voltando à pergunta do título deste artigo, deve o Bahia se transformar numa SAF? Responder sim ou não depende muito de qual modelo seria proposto pelo Bahia aos seus sócios que, na prática são os que vão decidir. Não só nos aspectos financeiros, mas sobretudo se os investidores desejam um clube para valorizar e vender mais caro no futuro com lucro ou se desejam um veículo para revelar jogadores para clubes do exterior. Amigo leitor, amiga leitora, não compre ilusões. Não existe hipótese de termos um sheik árabe ou magnata russo, que seja torcedor tricolor e que aporte recursos porque quer títulos. O investidor quer regras claras e controle sobre o negócio, garantia única de retorno para seu investimento.
Em boa hora, o Conselho Deliberativo aprovou o início dos estudos acerca das SAF. Só pode tomar boas decisões quem conhece e se aprofunda no tema. Lembrando sempre que o Bahia não precisa de dono. Afinal, somos um dos poucos times que não tem torcida, mas a torcida é quem tem o time. Faço minhas as palavras de Mr. Textor, nosso investidor interessado no Botafogo: “o clube pertence à sua torcida. Já estava aqui antes de nós nascermos e estará aí muito depois que nós formos”.
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