Falar de política é atividade de alto risco no Brasil, principalmente quando não é seguido o que determina o senso comum. No entanto, em todas as nossas relações do dia-a-dia, exercemos a política, e negar que existam forças sociais hegemônicas em detrimento de outras é negar a realidade.
Na esteira dos comentários de dois colunistas deste site, de alta envergadura moral e científica (explico o “científica”: há um juiz de direito no quadro de colunáveis), sinto-me impelido a tecer algumas considerações sobre o envolvimento do Esporte Clube Bahia em questões sociais e políticas, posto que uma esfera impele ao debate na outra.
Falar de minorias sociais e de causas que envolvem preconceitos, políticas públicas para os ditos vulneráveis etc é algo que mexe com paixões, evoca teorias de filósofos do passado sobre liberdades, direitos e garantias; e invariavelmente cai na burra dicotomia esquerda x direita que põe fogo no Brasil contemporâneo.
Lógico que tal dicotomia é fomentada e alimentada por formadores de opinião, pois é algo estratégico a criação de inimigos despersonalizados a serem combatidos. Em toda a sua História republicana, vive o Brasil um eterno cabo-de-guerra entre forças progressistas e conservadoras – não exatamente entre esquerda e direita. Por vezes, o progressismo assumiu papel de ditadura revolucionária popular e populista. Trinta anos depois, o que se chama de conservadorismo retomou este papel para si. As forças sócio-econômicas dominantes puxam de um lado, e seus antagonistas de outro, e assim por diante. Depois de trinta anos de governo civil preocupado com as causas sociais, cujo corolário foi a chamada “constituição cidadã”, questionam-se, atualmente, supostos privilégios de certos grupos em detrimento de outros, e aos poucos os papeis vão se invertendo – no momento, predominam as forças ligadas aos grandes financistas, lado a lado com forças moralistas neopentecostais, militares, do agronegócio e da classe média emergida graças às políticas públicas que parecem caminhar para o passado. Qualquer sociedade não é estanque, é dinâmica, e o seu referencial teórico deve ser oferecido no cardápio dos formadores de opinião de forma fácil de assimilar, considerando valores naturais, valores arraigados, inconscientes coletivos e a cultura vigente. Depois de anos de aparente desordem social, questionam-se as leis garantistas, e a raiva do brasileiro médio se reflete em ódio ao que se convenciona como a causa premente de todos os males: “é preciso recuperar a lei e a ordem; e os valores tradicionais precisam voltar para que possamos voltar a ser uma grande nação”. Grande nação que nunca fomos de fato, mas o psicológico da volta às raízes de um “passado glorioso” é o mais importante.
Feita a mini dissertação acima, falemos do Bahia.
Assim como o Brasil tem testado sua verve democrática recém adquirida (vide algumas declarações de certos políticos e o constante medo do retorno do regime civil-militar que findou-se há 34 anos), natural que o Bahia também passe por momento semelhante após as mudanças que permitiram maior participação de seu quadro social na escolha dos dirigentes e tomadas de decisão. Juridicamente, o risco de retorno à monocracia familiar de outrora é praticamente zero. No entanto, o torcedor não engajado ainda teme, bastante, a volta de tal regime monocrático pelas “vias legais eleitorais”, mediante a assunção do clube por parte de políticos profissionais.
A princípio, parece ser o presidente tricolor, eleito com amplíssima maioria de votos com um discurso modernizador e empresarial, alguém que está mais preocupado em pavimentar trajetória eleitoral do que em gerir o clube. Este sentimento se acentua diante das ações publicitárias envolvendo engajamento a causas sociais; e se potencializa quando há rumores de candidatura do presidente do Bahia à prefeitura municipal de Salvador – especialmente quando evoca fantasmas do passado: assim como Cuba/Venezuela ou o regime de 1964 assustam o cidadão brasileiro de tempos em tempos, o suposto retorno do presidente que usa o clube como trampolim político reflete filmes já vistos e reprovados anteriormente.
Nada contra, tampouco é ilegal tal proceder – a não ser que o regimento interno do clube proíba expressamente filiação partidária no decorrer do mandato presidencial. O problema é que o torcedor já está calejado e cansado de tanta inércia do Bahia no cenário futebolístico como temos visto nas últimas rodadas do Brasileiro. O nível de desconfiança, no caso, é elevado à enésima potência.
Guilherme Belintani é um homem de estratégia: possui visão empreendedora e sabe que uma ação de marketing eficiente passa por algo chamativo, seja um “click-bait”, seja por um tema polêmico. No Brasil da atualidade, falar sobre tais assuntos cheira a sacrilégio, o que desperta revolta de alguns torcedores, mas percebamos o seguinte: que lugar melhor para se falar de “minorias sociais” do que a Bahia, considerando todo o contexto social e votação massiva nos partidos que defendem estas causas? Não conheço a orientação política de Belintani, mas antes que os mais afoitos digam que ele não passa de um esquerdista safado, o mesmo serviu a gestões do direitista partido da Família Magalhães, sendo pelas mesmas convidado baseado em seu vasto currículo e não na sua suposta ideologia.
As ações de marketing do Bahia, antes de serem algo polêmico, conseguiram causar um burburinho que até encobre a ruindade de Guerra, a lentidão de Fernandão ou a seca de gols de Gilberto: alça o Bahia a um clube com alto poder de chamamento de consumidores e telespectadores. O “tiozão do zap”, preocupado com a conduta sexual alheia e que acha que lugar de índio é quebrando pedra, não compreende. Na Bahia, onde um homossexual leva QUATRO tiros por acariciar o namorado num bar, nada mais chamativo.
O negro treinador Roger, porto-alegrense de nascimento, conterrâneo do negro Lupicínio Rodrigues (o qual tornou-se gremista porque o Internacional discriminou sua cor e origem), naturalmente adorou a iniciativa. Quem conhece Porto Alegre sabe o quanto é difícil ser negro por aquelas bandas.
Finalmente, as ações de marketing andam em paralelo com o futebol, e uma coisa não invalida a outra. Belintani e Cerri cometeram erros, sim, nas contratações; aparentemente o Bahia parece apático e sem brios – e isso deve ser muito cobrado, a meu ver; e não o simples contentamento de “melhor campanha dos pontos corridos”, mas se o Harry Potter tricolor queria “causar”, o fez e com méritos.
Sobre a suposta intenção de prefeituramento do nosso presidente, a qual veio em péssima hora, nada o impede e ele é um homem livre. O torcedor, no caso, precisa acionar seu senso crítico e sua veia cidadã e saber separar uma coisa de outra; ver o que o suposto candidato faria pela sua cidade de fato.
Caso fosse proibida filiação partidária para o presidente do Bahia, medida a qual considero até viável, nada impediria, por exemplo, que lançassem mão de um candidato laranja qualquer. Caso o mandatário tricolor queira entrar para o mundo da política partidária, boa sorte, contanto que faça o melhor pelo Bahia até o último dia do seu mandato. O futebol moderno demanda pessoas com visão executiva, e não nobres vultos da alta sociedade que invocam seus sobrenomes e nada fazem pelo clube – entretanto, o assédio desta pseudonobreza; ou da elite política e econômica vigente, a um clube de futebol é inevitável, e o sócio deve ponderar sempre cada caso antes de rechaçar.
Finalmente, é algo um tanto ingênuo descrer que um clube popular como o Bahia não traga popularidade e abra portas a quem o dirija com excelência. Até aquele senhor bigodudo de São Caetano, se um dia assumisse o Bahia e fizesse do mesmo campeão de tudo, teria saído do clube melhor do que teria entrado.
Conforme já dito em outra coluna, “o Bahia interessa a Ninguém”. E nós mortais, o Ninguém, podemos exercer nossa força barrando os verdadeiros oportunistas. Para mim, elevando o Bahia, não roubando e permitindo alternância de poder é um pré-requisito. Os demais critérios, cabe tão somente ao associado estabelecê-los diante das urnas.
Saudações tricolores!
PS: eu sempre me esforço para fazer textos os mais enxutos possíveis; e tenho até tido certo êxito. Mas aqui não deu… tenham paciência ao ler.
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