Em 1978, as pesquisadoras americanas Pauline Clance e Rose Imes descreveram, em uma revista científica pátria, o que se chama de “síndrome do impostor”. Num estudo envolvendo 150 mulheres, algumas com formação de “PhD”; outras, estudantes universitárias de alto rendimento, observou-se que todas as entrevistadas não se achavam boas o suficiente, a despeito de seus excelentes currículos e desempenhos acadêmicos e profissionais. Justificavam este pensamento com álibis tipo “eu consegui enganar a banca examinadora” ou “eu tive muita sorte de passar num concurso fácil”, numa espécie de autoboicote. Na época, as duas cientistas observaram, dentre o público pesquisado, que a tal síndrome tinha como causa principal a relação intrafamiliar: por exemplo, o acometido tem um irmão que é considerado pelos pais o gênio da casa, em detrimento do “impostor”. Observa-se uma necessidade constante de aprovação, uma excessiva demonstração de carisma e um comportamento de querer agradar todo mundo, além de um perfeccionismo pouco funcional, dentre os “doentes”.
A síndrome do impostor foi descrita em homens alguns anos depois, e o sexo masculino parece ter a mesma proporção deste distúrbio que o feminino. Trata-se de uma entidade ligada ao campo da psicologia, não tendo sido classificada, ainda, pelos manuais de psiquiatria e pela CID-10. Vamos em frente.
Diante do Maracanã em festa, hoje à tarde, o medo de uma goleada histórica assombrou o torcedor tricolor, com aquela sensação de dèja-vu de cruzeiros, ferroviários e flamengos (lembram de um 6×0 não muito distante?) do passado. “Ah, se o Grêmio que é o Grêmio tomou de 5, que dirá o Bahia?” diria o torcedor mais distímico. O mesmo Grêmio que perdeu do Bahia dentro de casa. O mesmo Grêmio que jogou o suficiente para tirar o atabalhoado Bahia da Copa do Brasil. Hoje, no ex-Maior do Mundo, o abismo técnico entre Bahia e Flamengo se evidenciou nos noventa minutos, porém revelou deficiências do clube carioca perfeitamente superáveis pelo adversário – O Bahia não lhes aplicou 3×0 à toa! Contudo, apesar do gol contra achado, o Tricolor criou e perdeu boas chances de gol, e levou dois gols em falhas individuais. A retranca de Roger serviu, pelo menos, para que não virássemos chacota nacional.
A queda de rendimento do Bahia tem explicação, ainda em construção: apesar das teorias da conspiração de sempre, sempre defendemos mais de uma concausa determinando essa “fase” que virou o “normal”. Percebemos uma entrega em campo da parte da maioria do elenco. Percebemos a vontade de acertar da parte de Douglas, Nino, Artur e Flávio. Mas também percebemos que o ataque tricolor não é mais aquele do outrora matador Gilberto. O mesmo Gilberto que, após a partida, literalmente se ofereceu para jogar no Urubu do Rio de Janeiro, o que fica mais evidente quando lembramos que o treinador lusitano do rubro-negro o havia elogiado recentemente. Não é a primeira vez que o centroavante alagoano expressa este “carinho” pelo time da Gávea, se declarando seu torcedor – ele o fez no 3×0 – porém, não obstante o equívoco anterior, ofuscado pelo incrível triunfo, Gilberto repete, reintera (sic) e agrava o já gravíssimo erro.
Conforme já dito em textos anteriores, o passeio de quase uma década do Bahia pelas Séries B e C fez muito mal à autoestima do torcedor, dando uma impressão que tanto o elenco quanto a torcida sempre entram em campo tomando 1×0. Inegáveis são os avanços administrativos do Tricolor; nítidos são os esforços em recuperar financeiramente o clube, mas desculpas como “nosso orçamento é X e temos que comemorar a excelente campanha” são reflexos, da parte dos dirigentes, de um clube por demais admoestado pela sua história recente. O torcedor, ainda recalcado, embarca na onda e comemora efusivamente que “temos a melhor campanha dos pontos corridos”. Do mesmo modo que as entrevistadas de Clance e Imes, no tempo em que o Bahia já era hexacampeão baiano, diziam que seus títulos de nada valiam, torcida e dirigentes ignoram os dois títulos nacionais, os três regionais e um cartel de quase cinquenta estaduais, vendo, ainda o clube como um simples egresso da Série B.
Os verdadeiros impostores talvez não estejam em premiações não honradas ou algum conflito interno do elenco – podem estar homiziados num bom desempenho extracampo: o presidente Belintani corre o risco de passar à história visto como mais um oportunista à frente do seu clube, com o cartel de apenas dois campeonatos baianos, uma derrota inacreditável para o Semáforo Sampaio Correia no Nordeste e uma campanha frustrante no Nacional. O Brasileiro 2019 já se acabou para o Bahia, e isto está claro no semblante dos jogadores, da comissão técnica e dos dirigentes. Apesar da matemática altamente factível para a Libertadores, o mais provável, quase certeza, é o mero cumprimento de tabela.
Passará esta equipe à História como mais uma que pareceu que ia e acabou não fondo: desempenho semelhante ao da equipe de 2013, que venceu bons jogos, inclusive contra o campeão fora de casa, e ficou em 12º lugar, a 2 pontos do 10º; enquanto assistiu o rival ficar fora da Libertadores por dois pontos. E isso na gestão destituída pelo Poder Judiciário no mesmo ano! Graças a todos os Deuses, Santos e Anjos, a palavra rebaixamento não foi citada neste ano; e observamos uma qualidade técnica progressivamente maior dentro da cancha. Reconhecemos as dificuldades em gerir o Bahia, contudo, é preciso olhar para a frente, esquecer o que passou, e dizer: ainda é muito pouco.
Voltando a Gilberto, talvez este seja o maior impostor desta tarde-noite, com uma atuação pífia e uma entrevista catastrófica. Sugerimos que peça rescisão do contrato de forma amigável, reconheça que está se oferecendo ao adversário, respeite a torcida que sempre te apoiou e saia pela porta dos fundos – de preferência. Aos poucos, um dos elos da cadeia da crise tricolor pode estar sendo revelado, por meio de um excelente atacante – e um profissional de comportamento duvidoso. O impostor pode existir de fato, não nas nossas quimeras autodepreciativas que povoam nossos pesadelos com times secundários cearenses nos goleando sem dó; mas num jogador com discurso venal que mostra o quanto o Bahia necessita forjar seus próprios ídolos dentro de casa, de dentro do seio de sua própria torcida.
Saudações Tricolores!
PS: Como 99,9999% dos leitores não entenderam o título desta Coluna, basta retrocedermos a 1988, quando ainda estávamos virando o jogo contra outro carioca, o América: homenagem a outro Gilberto, o Gil, aquele que desejou ser candidato a prefeito de Salvador e foi podado pelo Governador do Estado. Pode, Guilherme? Ops, digo Fernando… Fernando não pode, tá lento. Gilberto também… feliz 2020!
comentários
Aviso: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do ecbahia.com.
É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral, os bons costumes ou direitos de terceiros.
O ecbahia.com poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios
impostos neste aviso ou que estejam fora do tema proposto.