Desta vez, vou fugir do hábito normal de escrever sobre futebol, especificamente, porém sem sair do contexto. Preciso abordar um assunto que considero ser um dos mais relevantes na sociedade mundial, especialmente, no Brasil, que acabou com a escravidão, mas continua claramente discriminando a raça negra. Eu só não sei por que tanta intolerância, mas sei que o racismo no Brasil é um fato antigo que em vez de regredir, parece mais enraizado que o imaginado pela sociedade de saúde mental adequada à civilidade e ao atual século.
Dia 28 de agosto, jogavam Grêmio x Santos em Porto Alegre e, de repente, o Aranha — goleiro santista — foi em direção ao árbitro do jogo pedir providências porque atrás da sua cidadela — termo nostálgico do espaço defendido pelo goleiro — em que ele, Aranha, exercia sua profissão com dignidade e brilhantismo, havia torcedores (…) que não sabem aplaudir a competência, nem ao espetáculo como um todo e muito menos respeitar o ser humano, tentando desestabilizá-lo com palavras de ordem racista dignas do horror nazista ainda contemplado, não raro, por grupos isolados.
A coreografia de mais ou menos oito pessoas racistas era uma anomalia em relação à maioria presente ao espetáculo, mas aqueles gestos com bocas e braços salpicavam cruelmente o lado humano da história de um menino pobre, com necessidades primárias, tão comum aos menos favorecidos nesse turbilhão de desigualdades, e hoje um cidadão vencedor, que segundo seus companheiros de clube, é um ser humano singular em comportamento e atitudes para com o próximo. Deu para perceber a revolta incontida do seu apelo ao árbitro, bem como o horror personalizado em cada careta daquele grupo abjeto.
Não faço apologia à violência e nem sou adepto da vingança, essas coisas em nada acrescentam ao intelecto, porém, a Lei precisa ser menos frouxa nesses casos de racismo e punir com severidade aos que desrespeitam a condição natural do ser humano. Somos todos feitos da mesma matéria dos sonhos — Shakespeare –, por isso não entendo como pode haver racismo sobre a Terra e perante a face de Deus. Somos todos iguais diante dEle. Entretanto, em referência à sociedade, costumo dizer que a igualdade se verifica na morte. Em vida ela não é uma verdade.
Em 2005, quando ainda era da Base da Ponte Preta, o Mário Aranha foi preso, humilhado e espancado por policiais que o confundiram com um sequestrador… Será que o fato de ser negro influenciou na “identificação” por parte desses policiais? No Brasil é assim, sendo negro e pobre já é motivo suficiente para ser marginalizado, maltratado e sem oportunidades. O pior é saber que depois esses fatos são esquecidos e os preconceitos deixados em stand by, latentes, até que uma nova oportunidade surja para que os instintos perversos e asquerosos se expressem covardemente como aconteceu em Porto Alegre.
— O racista é o excremento personalizado da sociedade naturalmente heterogênea. Só assim consigo defini-lo.
Os mais próximos de Mário Aranha garantem que se ele for procurado pessoalmente, possivelmente, perdoará seus algozes sem meias palavras, assim como perdoou os policiais em Campinas quando foi detido injustamente. Depois, quando inquirido a levar o processo adiante, percebeu que poderia acabar a carreira dos seus torturadores e por consequência deixar famílias em dificuldades… Desistiu da ação.
Não é assim que se deve agir se precisamos consertar alguma coisa nessa sociedade. O racismo não é algo simples, ele mexe no passado, latente, e traz desse remoto todas as suas lembranças quase sempre calcadas em tristeza e lutas inglórias desde seus antepassados, desenterrando todos os seus indesejáveis demônios. Por isso que, dentre todos os crimes, o racismo é um dos mais graves e deve ser punido exemplarmente, o que não quer dizer nada radical, sim, dentro do que prevê a Lei.
Ainda bem que a própria Polícia de Porto Alegre convocou o jogador Aranha para prestar depoimento e, as pessoas (….) que ainda estão sendo identificadas serão intimadas a depor para em seguida entrar na fase de processo criminal. Espero que o caso se mantenha em evidência para que sirva de exemplo aos adeptos do racismo e alguma consciência comece germinar dentro deles. A história a ser construída — assim espero — a partir da denúncia manifesta de Aranha contribuirá decisivamente para uma sociedade menos desigual. Igual ela jamais será para esta geração, mas doará princípios éticos à posteridade.
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