“Não venho mais”, diziam aos montes os torcedores do Bahia que compareceram ao clássico Ba-Vi do último domingo, pela 15ª rodada do Estadual-2012, no Barradão. Mas, apesar da derrota por 3 a 2, a bronca tinha outro motivo, incomparavelmente pior: o tratamento ultrajante conferido pela diretoria do rival, junto com a Polícia Militar, aos representantes da Nação Tricolor.
Historicamente, nunca foi um mar de rosas chegar, ficar e deixar o estádio rubro-negro. Desta vez, porém, mesmo sem o lixo, os urubus e a estrutura inferior que davam o tom do ex-aterro na década de 1990 (graças a dinheiro público, diga-se), os envolvidos conseguiram se superar.
Vamos por partes, com fotos e vídeos, culminando com o abuso final, já no pós-jogo.
Não bastasse a quase impossibilidade de se comprar ingressos para o setor destinado ao Bahia (3.500 lugares, 10% do local), afinal a carga se esgotou em menos de cinco horas ainda na quinta-feira, os tricolores eram alvo de uma cartilha criada pelo major Henrique Melo, da PM.
Após caminhar léguas e léguas de onde paravam seus carros ou desciam do ônibus (estacionamento lá é artigo de luxo), eles se deparavam com essa figura, esbajando truculência.
Cacetete na mão e sempre acompanhado de um grande grupo de soldados, o major fazia de tudo para criar um ambiente hostil, um clima de guerra que não havia antes de a bolar rolar, como registrou bem o jornalista Herbem Gramacho em sua coluna de segunda-feira no Correio*:
“O sujeito pacífico abre um bandeirão em frente ao portão da torcida visitante e logo surge o major Henrique, da PM, esbanjando grosseria. Você vem pro estádio do Vitória levantar bandeira do Bahia? Que p… é essa?, e mandou o coroa enrolar a bandeira e entrar. Mas desde quando isso é proibido? Quem deveria combater o clima bélico, estava criando.”
O todo-poderoso Melo também tratava de recolher isopores, sem qualquer cerimônia, dos ambulantes presentes. Pegava-os e quebrava-os. Simples assim. Não havia diálogo.
Em seguida, inventou de lançar QUATRO bombas de efeito moral sob a alegação de que a Bamor, maior uniformizada do Esquadrão de Aço, estava se aproximando…
Ao entrar no Barradão, mais uma surpresa (negativa, claro). O Vitória construiu uma espécie de JAULA para “receber” os torcedores adversários. Se antes já existia uma divisão natural, agora há um “muro de Berlim”, estreito, em que a pessoa entra, sente-se um gado caminhando para o abate e passa por um quase “corredor polonês” até desembarcar no espaço da arquibancada, ínfimo e superlotado, enquanto o resto da arena se mostrava repleta de buracos vazios.
A lamentável limitação dos 10% vai aos poucos matando o nosso futebol. Não só colabora com a cultura do medo reinante (a premissa é de que sempre haverá tumulto; de que o rival é inimigo), longe dos tempos da torcida mista na Fonte Nova –e sem violência–, como invariavelmente coloca pouco espaço para muita gente, gerando riscos desnecessários em partidas já tensas.
A exemplo do que aconteceu no clássico de Pituaçu, em fevereiro, quando foram os rubro-negros, agora os tricolores não se limitaram ao lugar pré-reservado e tiveram que se instalar após o alambrado de separação, ao lado da torcida rival. Paradoxal, não?
Observação importante: o espaço do Vitória em Pituaço é sempre MUITO MAIOR, quiçá alacançando 25% (ou mais) da praça esportiva governamental. Questionado sobre o assunto, o presidente Marcelo Guimarães Filho respondeu: “Tem que perguntar à Sudesb e à Polícia Militar! Lá, o Bahia não manda em nada, só paga aluguel!”.
Estava tão cheio ali que quem saía de seu lugar para ir ao banheiro, comprar algo na lanchonete ou mesmo comemorar um gol não conseguia retornar, tamanha a parede humana de três a cinco filas de pessoas no último degrau da arquibancada azul, vermelha e branca.
Ao término do confronto, a PM trancou a Nação por quase uma hora. Cinco, dez, quinze, vinte minutos transcorriam… e nada. Sem suportar esperar mais, com o restante do Barradão já às moscas, muitos se revoltaram. Espremidos tal qual uma corda do Chiclete no Carnaval, começaram a xingar policiais, que contra-golpearam. Houve empurra-empurra. Até agressão contra uns. Crianças e mulheres ao redor. Gente passou mal e precisou deixar o local carregado.
A ira, somada ao placar adverso e à falta de educação de uma minoria, fez com que sobrasse para o sanitário rubro-negro. Depredou-se o lugar. Nem mesmo a placa de sinalização presa à parede, já em um segundo momento, escapou. Acabou rompida ao meio.
Mas a maratona ainda não tinha acabado. Quando deveria existir proteção da segurança pública, em meio às gozações dos oponentes já do lado de fora, aí sim, a PM não aparecia. Cervejas eram arremessadas. Com a latinha e tudo.
A romaria precisou continuar no sempre monstruoso engarrafamento das duas ou três ruas de acesso ao afastado estádio.
O camarada só retorna para casa, felizmente vivo, embora aos cacos, mais de 2h depois.
O ingresso custou R$ 30.
Sobre o assunto, o presidente MGF nos enviou: “Recebi muitas queixas realmente. Vou tratar com a PM sobre isso”.
Procurada, a polícia respondeu, via Twitter: “Obrigado pelas informações… Vamos encaminhá-las ao setor competente…”.
Duas pessoas terminaram baleadas pouco depois do Ba-Vi, na região de Periperi. Mas, de acordo com a PM, “nada tinham a ver com o jogo”.
Em maio, deverá ter mais um dérbi no local.
Vai ficar tudo por isso mesmo?
Vão esperar por uma tragédia?
A velha Fonte, tão mal-cuidada, apesar de todos os alertas, matou sete irmãos de três cores.
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