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A minha, a nossa Fonte

Notícia
Historico
Publicada em 27 de novembro de 2007 às 23:35 por Da Redação

Não me lembro a primeira vez que botei os pés na Fonte Nova. Mas aquele gigante imenso com certeza me impressionou. Me recordo de passar por debaixo das catracas, vestido a caráter pra entrar em campo com o Bahia. Há 20 anos, sei lá, meu pai era um conselheiro do time. Era presente, ia às reuniões, e nos jogos conhecia do porteiro ao massagista. Eu era o mascote.

Conhecia o estádio antes mesmo de conhecer as regras. Quando me atrasei e não consegui entrar com o time, disse a meu pai: “Eu entro no segundo tempo!”. Uma das lembranças mais antigas é um BA-Vi. Só me recordo de Beijoca sentando a mão em alguém. Em outro clássico, após entrar em campo com Sandro, me desliguei da galera. Quando meu pai foi em achar, eu estava na frente da torcida do rival dando as estrelinhas que tinha aprendido na aula de Judô. O velho quase enfarta mesmo sem ser velho.

Na campanha do Brasileiro de 88, eu ia aos jogos noturnos e sempre dormia. E quando dormia, o Bahia não ganhava. Meu pai já ficava com uma garrafa de água nas mãos pra não me deixar cair no sono. Isso era na época nas cadeiras inferiores. Aquelas amarelas, meio mostarda. Ali fui na maioria dos jogos da minha infância, inclusive no Bahia x Fluminense com mais de 110 mil pessoas. Sentei no colo de meu pai e meu irmão dividiu a cadeira com outro torcedor. Tinha gente pra tudo que era lado, em cima do teto, pendurada no refletor…

Nas cadeiras conheci torcedores que durante muitos anos foram companheiros: Sêo Lemos e o cachimbo, Paulo Rodrigues (pela semelhança), Xuxa (que vendia picolé até os últimos jogos) e um bocado de “Bobô”. Essa eu explico. Tinha um senhor que implicava com Bobô, e pra perturbar ele, todo mundo só chamava ele por esse nome. O apelido pegou tão bem, que todo mundo virou “Bobô”. Era chegar na Fonte e já se ouvia “Alô Bobô!”.

Naquele lugar ganhei um bolão. A gente botava os números dos jogadores no papel, apostava um dinheiro e sorteava. Meu pai pediu pra eu pegar um papel e eu tirei o 11. Camisa de Marquinhos, não muito acostumado a fazer gols. E não é que dei sorte. Marquinhos fez o gol e meu pai ganhou a grana. Me deu até uma parte e eu comprei alguma coisa que não me lembro.

Quando as cadeiras foram tiradas, passamos a ver os jogos ali onde fica a Povão. Na verdade, um pouco mais pro lado. Eram as mesmas pessoas, fora Sêo Lemos que já tinha falecido. Uma época até um grupo de surdos-mudos aparecia. Com o perdão da expressão, aqueles caras falavam pra cacete! Gesticulavam e sempre apontavam pra um que “dizia” ser o craque da turma. Ali perto da Povão vi o maior jogo na minha história na FN. Bahia 5×4 Inter-RS. Fenomenal. Lembro do velho Bobô, o primeiro, dizendo depois que o Bahia empatou o jogo: “esse time é sem-vergonha mas dá uma alegria da porra!”. Naquele concreto vi o último título tricolor ganho em casa, o Campeonato do Nordeste de 2001.

Depois de um tempo, já adolescente, comecei a ver o jogo algumas vezes próximo à Bamor. Ali passei minhas maiores frustrações: Bahia 2×2 Juventude, pela Copa do Brasil de 99, e Bahia 2×3 Brasiliense, já pela Série B de 2004. Chorei nos dois. Assim como inexplicavelmente tinha chorado quando Valdomiro acertou aquele tirombaço contra o Fluminense em 2003, empatando o jogo em que Émerson, meu último ídolo na Fonte Nova, foi substituído no intervalo. Nessa época conheci Maurício e sua turma. Maurício é o cara mais doente pelo Bahia que eu conheço. Queria fundar a Al Qaeda Tricolor e mandar uma carta com antraz pra Bebeto Campos.

Passei a ir aos jogos sem meu pai, que começou a ter compromissos nos dias dos jogos. Agora, eu ia com meus amigos da faculdade. Os jogos do Bahiaço eram tão ruins que eu ia mais para encontrar com a galera, tomar uma cerveja e exercer minha profissão de jornalista, discutindo posicionamento e tática. Mas as palavras do velho Bobô insistiam em ecoar do mesmo jeito. Parecia um mantra: “esse time é sem-vergonha mas dá uma alegria da porra!”.

Estava no fatídico jogo contra o Ipatinga ano passado, sem acreditar no que via. O pior é que nos últimos anos vi tantos protestos, que me acostumei. A Fonte me pregou algumas peças esse ano, já parecia indicar o seu fim.

O último gol que vi foi o de Inho, contra o Nacional. O último que comemorei no estádio foi o de Neto Potiguar, contra o Atlético-GO, do lado de fora, sem conseguir ingresso. No último jogo, meu pai foi. Comprou ingresso no sábado, passou na minha casa e revemos fotos do passado, algumas com eu vestido de Bahia na Fonte Nova.

No domingo, pela primeira vez, cheguei sozinho. Meu pai saiu mais cedo e foi com a esposa dele. Eu ia encontrar meus amigos. Ao entrar no estádio, resolvi guardar o ingresso. Não sei o porquê. Pela primeira vez, me machuquei. Tropecei nas escadas, feri a perna e, depois de mais de quinze anos, entrei no gramado para ser atendido na ambulância. Vi a torcida comemorar um empate, enquanto eu estava tremendamente irritado com a passividade do time que não buscava o gol.

Neste fatídico domingo, dia 25 de novembro de 2007, eu invadi o gramado, rolei como criança e tirei foto (não quebrei nada, hein!). Lembrei das invasões do passado e me recordei dos carnavais dos títulos com trio elétrico. E no gramado vi o ex-presidente xingado por muitos e adorados por outros, ser carregado pelo povo. Muito estranho. Juntei-me a alguns torcedores e ajoelhados rezamos um Pai Nosso em volta da bandeira tricolor. A última reza na Fonte Nova. E ao saber da tragédia, agradeci pela primeira vez por não ter comemorado um gol do time que amo.

A tristeza da morte de companheiros tricolores foi aumentada pela notícia da implosão da nossa casa. Alugada, mas nunca deixou de ser nossa. Demolição que, infelizmente, precisa ser realizada. Mais do que um local onde pudesse acompanhar meu time, a Fonte era um lugar de diversão. De sorrisos, lágrimas, lembranças e histórias. Para mim, para você e para Jadson, Joselito, Anísio, Djalma, Milena, Márcia e Midiam. Onde nasci e cresci para o futebol e onde deixo um pedaço da minha memória e do meu dolorido coração.

Um gigante triste e saudosista das alegrias do passado. É essa a última imagem do estádio Octávio Manga… não. O nome dele é e sempre será Fonte Nova.

Ivan Marques, jornalista, tricolor e órfão

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