Em excelente matéria do repórter Marcelo SantAna, o jornal Correio da Bahia mostrou, em sua edição do dia 22 de janeiro de 2006, um pouco mais da história do maior clássico do Norte-Nordeste. Confira:
Partidas memoráveis, disputa de títulos, emoção, paixão. Acima de tudo, foi a grandeza das equipes que fez o Ba-Vi ser o maior clássico do Norte-Nordeste do Brasil. O confronto começou a ser disputado na década de 1930. A diferença é que tricolores e rubro-negros ainda não eram rivais.
Ex-capital federal, Salvador tinha à época 300 mil habitantes, contra os 2,4 milhões contabilizados no século XXI. Na década de 30, época da ditadura Vargas, os grandes adversários do tricolor eram Botafogo Sport Clube e Esporte Clube Ypiranga. Contra o “Glorioso”, foram sete anos sem uma única derrota do Bahia, fazendo do “Clássico do Pote” uma verdadeira barbada. O curioso nome surgiu da idéia de Pedro Capenga, que demonstrou como um cidadão simples pode ser o criador da história, não apenas parte dela. O peixeiro, que tratava sua mercadoria no Forte São Pedro, ia com um pote de barro debaixo do braço, e só o quebraria quando o Botafogo vencesse o Bahia. Já o “Mais Querido”, sete vezes campeão até 1931, só levantou três taças após o nascer do tricolor, daí a antipatia dos aurinegros.
Os efeitos da Segunda Guerra Mundial, iniciada em setembro de 1939, eram sentidos em Salvador, que vivia época de racionamento na gasolina, carne e leite. Campeão de 1940, o Bahia viu o Galícia, em 1941/42/43, tornar-se o primeiro tricampeão estadual. A crise aguda quase levou o tricolor à falência, mas o jejum acabaria no ano seguinte. Em 1947, através do jornalista Aristóteles Góes, é criada a expressão “Esquadrão de Aço”, quando o Bahia goleia por 7×1 o São Paulo, o “Esquadrão da Fé”. Na década, as seis taças fariam do Bahia o maior papa títulos do Baianão, com 11 conquistas em 18 anos. A década seguinte marca o despertar do mais antigo clube do estado, fundado em 13 de maio de 1899: o Vitória, que então privilegiava competições de remo e de cricket. Falecido no final do ano passado, Luiz Martins Catharino Gordilho foi o presidente que venceu o desafio de refazer a história do clube.
Na fila há 44 anos, o rubro-negro estava cansado de ganhar torneios inaugurais, turnos, disputar finais e falhar. Sob a batuta do atacante paraense Quarentinha, atleta que vestiria a “amarelinha” entre 1959 e 1963, o Leão da Barra enfiava 3×0 no Botafogo em março de 1954, faturando seu terceiro campeonato, o baiano de 1953. É campeão de terra e mar. Brigas de bastidores e alternâncias de conquistas até 1958 fazem tricolores e rubro-negros fuzilarem-se com olhares. Provocações, piadas, ódio, amor. O caldeirão baiano mistura todos os ingredientes: o Ba-Vi explodia e se consolidava como maior clássico do estado. O destino era ser o maior do Norte-Nordeste.
Times romperam relações por duas vezes na história
Por inúmeras vezes, Bahia e Vitória usaram o silêncio como aliança para manter o instável casamento. O imbróglio da final de 1999, em que um foi para o Barradão e o outro para a Fonte Nova, foi seguido por uma “guerra fria” nos bastidores, com acusações mútuas, muitas descabíveis. Em 2003, a falta de acordo entre os dirigentes com relação ao Campeonato do Nordeste fez o clássico, pela primeira vez, ser disputado por profissionais x juniores, a depender de quem era o mandante no estadual. Vexames e desrespeito aos torcedores à parte, talvez nada se aproxime da década de 50, quando as equipes oficialmente romperam relações.
Na terceira gestão de Waldemar da Costa, primeiro presidente do Bahia, as disputas pelo passe de atletas irritaram o dirigente a tal ponto que o clube emitiu nota oficial, em 1956, rompendo relações esportivas com o Vitória. O documento foi o “ponto parágrafo” em uma disputa iniciada um ano antes, quando o Leão buscava um ponta habilidoso para retomar o título ganho em 53 e perdido em 54. Tentou Isaltino, não deu. Partiu para Salvador, que tinha contrato com o tricolor, mas passe ainda preso ao Fortaleza. Bingo, com aval do Conselho Regional de Desportos no “tapetão”. O Bahia buscou retribuir assediando o ponta Quarentinha de todas as maneiras, porém falhou.
Com alguns meses como presidente, o folclórico Osório Vilas Boas aceitou disputar a Taça da Amizade em 5 de agosto de 1958 para fazer as pazes com o Vitória. O 5×1 o enche de alegria. Quando a folhinha do calendário indica 17 de outubro, nova briga. Iga, contratado pelo Bahia, termina no Vitória. Nova nota oficial é emitida, afirmando que as relações se restringem a campeonatos organizados pela Liga Bahiana de Desportos Terrestres, hoje denominada Federação Bahiana de Futebol. O curioso é que o Bahia também estava em crise com a instituição comandada por Walney Machado e só foi proclamado campeão baiano de 1958 em meados de 1959 pelo Tribunal de Justiça Desportiva. O título permitiu ao clube disputar a primeira Taça Brasil, organizada pela Confederação Brasileira de Desportos, atualmente Confederação Brasileira de Futebol.
Primeira – As pelejas e rasteiras entre os clubes, aliás, são quase tão antigas quanto o próprio clássico. Entre “disse-me- disse” de um lado e do outro, foi em 13 de março de 1933 que os registros mais antigos apontam para a primeira rasteira. Na ânsia de reforçar seu departamento de futebol, o Leão da Barra contratou o atacante Raul Coringa, carrasco das duas primeiras partidas, e um time de aspirantes. Adaptando o bordão do apresentador Chacrinha, “no futebol nada se cria, tudo se copia”. Ou será que o episódio não faz lembrar a saída de Newton Mota do Fazendão em direção à Canabrava, no início da década de 90? A solução para esta pendenga só foi resolvida na Justiça, com a criação do consórcio Ba-Vi. Aquela outra discussão, o comerciante Zelito Bahia Ramos responderia contratando, em 1944, o atacante Zé Hugo dentro do navio que o trazia de Ilhéus, quando um representante do Vitória, no cais, via navios.
Sedes do Ba-Vi sofreram mudanças
O Campo da Graça, ou Estádio Artur Moraes, local onde tudo começou, nem existe mais. Localizado entre onde hoje está a Faculdade de Direito da Ufba e a Rua da Graça, o palco abrigou 65 clássicos. O Bahia faturou 31, o Vitória 23 e por 11 vezes deu empate. Além de qualidade com a bola no pé, o jogador tinha que ter coragem para atuar no Ba-Vi, medida em alguma escala Richter da época.
Se na maioria dos atuais estádios existe um túnel que liga o vestiário ao gramado, na Graça não havia motivo para entrar em campo sossegado. Após trocar de roupa, o guerreiro era obrigado a passar entre os torcedores para entrar no campo. Supõe-se que muitos elogios e palavras impublicáveis foram ditas durante os 30 anos que a velha casa foi utilizada. É provável também que alguns tenham entrado ouvindo aplausos de herói e saído com as vaias de vilão, e vice-versa. Pena que são raros os registros.
Em 28 de janeiro de 1951, era inaugurado o templo do futebol baiano: o Estádio da Bahia, rebatizado como Otávio Mangabeira e conhecido como Fonte Nova. Botafogo 1×1 Guarany foi o placar inaugural, com Nélson, do alvirrubro, tendo a honra de marcar o primeiro gol. Por razões que a reportagem desconhece, os três clássicos deste ano entre a dupla Ba-vi ainda foram realizados na casa velha, na Graça. Charme?
A morada nova, moderna e ainda com apenas um anel em formato de ferradura abrigou os clássicos a partir de 13 de julho de 1952, quando o tricolor goleou por 6×1 com um show de Carlito, que marcou quatro dos seus 253 gols como tricolor. O rubro-negro descontou com Juvenal, o maior artilheiro da história dos clássicos, com 25 gols, quatro a mais que o tricolor Carlito. A Fonte Nova reinou praticamente absoluta até 12 de fevereiro de 1995, quando o Vitória venceu com gols de Adoílson e Ramon e passou a efetivamente usar o Barradão. No mesmo ano, o Estádio de Pituaçu também foi sede de três clássicos.
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