De Eliano Jorge, no jornal A Tarde deste domingo:
“Não se trata da mais acirrada, da mais antiga ou da mais freqüente rivalidade do planeta. Porém, para tricolores e rubro-negros, o resto do universo deixa de existir durante o Ba-Vi. E a próxima pausa cósmica está agendada para hoje, entre 17 e 19 horas.
O clássico sobreviveu à Série C nacional, aos desmandos dos cartolas, às interdições da Fonte Nova, à desorganização, aos campeonatos deficitários e à ausência de craques.
É sempre uma partida para se lembrar positiva ou negativamente. Mesmo quando não vale liderança, rebaixamento, classificação ou troféu, ainda assim não tem preço embora haja boatos de resultados vendidos.
Sustenta-se pelo duplo prazer do útil e do agradável, ao vencer e fazer o único arqui-rival perder. Só há esta cara-metade, este antagonista, o concorrente de sempre, o time a ser batido em qualquer época. Os complementares sonoros e indissociáveis: Ba com Vi, Vi com Ba, e mais ninguém.
Era o embate preferido pelos tricolores até na época em que o Leão não representava qualquer perigo, em passeios sem graça. Dava a maior alegria aos rubro-negros na seqüência de previsíveis triunfos no Barradão.
GOZAÇÕES A maioria dos jogadores, vinda de longe, mal sabe o que este duelo significa. Luta pela premiação, corre mais, impulsionada pela galera. Entra na pilha pelo calor da disputa. Será cobrada ou endeusada.
Porém, é o torcedor quem se apropria do resultado. Feliz, pode se sobrepor aos problemas por um período de tempo. Triste, afunda nas piadinhas daqueles rivais intragáveis amigos ou desconhecidos.
Cada Ba-Vi rende até o próximo Ba-Vi. Concentra as conversas dos dias anteriores e das semanas seguintes. Custa o orgulho ou a vergonha. Para quem não distribui provocações, ao menos evita agüentar gozações. E, cabeça inchada após um clássico, a mudez de um sorriso já diz e fere bastante.
O placar rege os encontros ou os sumiços na escola, na praia, no trabalho, no elevador, no ônibus, no bate-papo de internet, no refeitório, na portaria, na praça, no consultório, no bar, no shopping, onde pulsar um coração vermelho e preto ou azul, vermelho e branco. E entre os 2,7 milhões de soteropolitanos, estas pulsações não faltam.
O torcedor carta minutos de olé, o nó humilhante, o banho de cuia, a tabacada desnecessária mas indispensável, até os sopapos das condenáveis confusões, o gol de categoria, o agito das torcidas. É o jogo que nossos avôs e pais discutiam, que nos cativa desde a infância e que, se os dirigentes permitirem, as próximas gerações baianas amarão.
Trata-se de um dos confrontos mais repetidos da história do futebol. O dualismo alimentou-se de si próprio, ao motivar fórmulas de campeonatos que privilegiassem a repetição de Ba-Vis. De preferência, nas decisões de incontáveis turnos, para estourar as bilheterias.
Mas priorizar os dois maiores clubes locais fez os concorrentes encolherem. Tanto, que a dobradinha da dupla consumiu 36 títulos estaduais, entre o Fluminense de Feira de 1969 e o Colo-Colo de 2006.
VIOLÊNCIA Não foi a queda conjunta à Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro, em 2005, que manchou a história recente do Ba-Vi.
No gramado, a emoção continuou. Mas a violência fora de campo aposentou a propalada e rara harmonia entre as torcidas arqui-rivais.
A arquibancada mista entrou em extinção. Já não se vêem, juntos no cimento, grupos de amigos com camisas dos dois times. Deram lugar a cordões de policiamento e bombas caseiras.
Nos últimos dez anos, delinqüentes combinaram brigas e levaram armas para os estádios. Provocaram arruaças no caminho para os jogos e na volta para casa. Depredação a ônibus cheios se tornaram constantes, alvejando até passageiros alheios ao futebol.
Em 2006 e 2007, pelo menos três torcedores morreram em emboscadas de facções criminosas, infiltradas nas torcidas organizadas. Foi pedida a prisão preventiva de um acusado por um dos assassinatos, mas ele continua foragido.
Depois de super-esquemas de segurança, Ministério Público e Polícia Militar já não consideram a situação crítica. Mesmo assim, não querem vacilar hoje. Cerca de 850 agentes da PM participam do clássico.
Haverá reforço na segurança das estações rodoviárias da Lapa, de Mussurunga e de Pirajá, além de monitoramento dos principais trajetos para o Barradão. Até um helicóptero espiona o trânsito. Que ele enxergue só a linda mistura de cores e gente”.
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