De Claudio Leal, no Terra Magazine desta quarta-feira:
“O presidente do Esporte Clube Bahia, Marcelo Guimarães Filho, move um processo contra o jornalista e escritor João Carlos Teixeira Gomes em razão de críticas à diretoria do clube, no artigo “Como salvar o Bahia”, publicado no jornal baiano “A Tarde”. Apresentado em 27 de outubro, o processo “2925365-2/2009” corre na 15ª Vara Crime de Salvador e será apreciado pelo juiz Antonio Silva Pereira.
Em entrevista a Terra Magazine, Guimarães, cartola e deputado federal (PMDB-BA), expõe o trecho que motivou a ação judicial:
– Eu não tô aqui agora nem com a ação, nem com o texto, o que eu vou tentar reproduzir talvez não seja literalmente a mesma coisa, mas foi algo do tipo: o dinheiro do clube sai pelos ralos ou pelos bolsos de quem o dirige. Eu acho que aí, né… Já passa do limite – avalia.
No artigo editado no jornal “A Tarde”, em 17 de outubro de 2009, Teixeira Gomes lamentou “que o clube tenha chegado ao nível de humilhação a que foi atirado pelas administrações que o desmoralizam há tantos anos consecutivos”.
Filho do primeiro goleiro do Bahia, o escritor prosseguiu: “As últimas diretorias do Bahia conseguiram uma façanha esportiva realmente inédita: inventaram a crise ininterrupta, a decadência irreversível, a degradação permanente, portanto a mais injustificável e dolorosa.”
O trecho que irritou o presidente do clube traz uma crítica fundamentada em reportagens jornalísticas sobre o grupo de cartolas que comanda o Bahia há mais de 30 anos, aqui e ali renovado por herdeiros e políticos aliados:
“Lançaram o Bahia em todas as divisões inferiores, não conseguem ganhar nem o campeonato baiano, fazem contratações desastrosas (como a de Paulo Carneiro, confissão de falência de comando), jamais conseguiram armar um time digno, estão alienando todo o patrimônio sem construir coisa alguma, as rendas dos jogos somem pelo ralo (ou pelos bolsos), as contas (irregulares) vivem sob suspeita, como o provou A TARDE em recente reportagem.”
Em entrevista a Terra Magazine, uma semana antes deste artigo, Teixeira Gomes havia conclamado a torcida tricolor a reagir, nas ruas, contra os cartolas. “Que a torcida do Bahia incorpore o espírito revolucionário dos baianos do 2 de Julho e se una nas ruas, nas praças, pressionando nas rádios, na internet e nos jornais, os incompetentes que afundam um clube glorioso”.
Procurado na tarde desta quarta-feira, João Carlos Teixeira Gomes não foi encontrado. Joca, como é conhecido desde os tempos da Geração Mapa – protagonizada por Glauber Rocha – é ex-editor-chefe do Jornal da Bahia e autor, entre outros livros, de “Tempestade Engarrafada”, de “Glauber Rocha, esse vulcão” (melhor biografia sobre o cineasta), do best-seller “Memórias das Trevas” e do romance recém-lançado “Assassinos da Liberdade”.
Na década de 70, durante a ditadura militar, Joca foi perseguido pelo governador biônico Antonio Carlos Magalhães e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Em 1972, numa decisão histórica, o Superior Tribunal Militar deu vitória ao jornalista, que continuou a se opor ao governador imposto pela ditadura.
O presidente do Bahia, que integrou o grupo político de ACM, afirma que não conhece a história do jornalista.
– Não, não o conheço e, sinceramente, eu fico bastante sentido por outro lado, porque não o conheço. Conheço a história dele de ouvir falar, mas nunca troquei palavra com ele, nunca apertei a mão dele. E ele não conhece as minhas intenções – diz o cartola.
O Bahia, campeão nacional de 1959 e 1888, está ausente da Série A do Campeonato Brasileiro desde 2003. Chegou a amargar dois anos na Série C, em 2006 e 2007. Na atual temporada, vai se afastando do risco de rebaixamento à terceira divisão novamente. Seu último título profissional foi o Campeonato do Nordeste de 2002.
Leia a entrevista com Marcelo Guimarães Filho.
Terra Magazine – O que lhe levou a processar João Carlos Teixeira Gomes?
Marcelo Guimarães Filho – É o seguinte: primeiro quero colocar pra você que tenho um profundo respeito pela imprensa e acho que o direito de criticar é absolutamente natural. Às vezes, até acho que sou merecedor da crítica. Procuro olhar sempre da maneira mais positiva possível. Ela tá no papel dela e deve fazê-lo. Já fui criticado muitas vezes e essa, por incrível que pareça, é a primeira vez que eu processo um jornalista. Não conheço João Carlos, mas, nesse caso específico, decidi por processá-lo porque eu entendi, como entendo ainda, que a coluna que ele fez no jornal A Tarde, criticando a mim como presidente, passou do razoável. Acho que ele usou um linguajar que merecia que eu fosse buscar na Justiça a reparação ou a confirmação do que ele colocou ali.
O que, especificamente, o incomodou?
Eu não tô aqui agora nem com a ação, nem com o texto, o que eu vou tentar reproduzir talvez não seja literalmente a mesma coisa, mas foi algo do tipo: o dinheiro do clube sai pelos ralos ou pelos bolsos de quem o dirige. Eu acho que aí, né… Já passa do limite. Você quer criticar uma administração, achar que o presidente não tem competência, achar que tomou uma decisão errada, não tem problema. Porque a gente procura acertar, mas também vai errar. Natural. Mas daí a dizer que o dinheiro sumiu pelo bolso…
Ele falou de uma sucessão de presidentes, não o nomeou.
Muita gente lê aquilo e a interpretação que se faz é óbvia de que tá indo pelo bolso do presidente atual, que está dirigindo o clube. Se ele falou de todos os que já passaram, me incluiu, no texto ele não exclui. Agora, se dissesse: “Excluindo o atual, o dinheiro foi pelo ralo ou pelo bolso…”. Na verdade, é o seguinte: na ação, quero que ele esclareça se foi isso que ele disse. Se é o que você tá dizendo, ele teve a melhor das intenções. Problema nenhum. Quero deixar claro isso.
Nesse contexto, não é uma opinião válida de um jornalista? Diante da crise permanente do clube, há dez anos sem bons resultados, sem oferecer nada à torcida, o senhor não acha natural que a imprensa cobre respostas, a apresentação das contas do clube? Uma reportagem do jornal A Tarde provou que a situação é pré-falimentar. Não é um exercício de poder sobre um jornal? Isso não representa uma ameaça para o jornalista e para todos os outros que criticam o clube?
Não, não, não acho. Primeiro, acho que é absolutamente válida a crítica. Acho absolutamente válido qualquer veículo de comunicação buscar sua investigação, sua reportagem investigativa, procurar colocar os problemas. Acho apenas que não se pode passar do limite. Tanto assim o é que, como lhe falei, eu tenho nove anos de vida pública e nunca processei um jornalista. Tenho dez meses de presidência de um clube de futebol e já recebi diversas críticas. Mas não havia processado nenhum jornalista. Entendi que nesse caso específico, pontual, houve um excesso.
Mas o senhor, praticamente, não tem oposição. Atraiu até opositores para sua administração.
Se eu não tenho oposição, é porque talvez eu tenha tido condições de mostrar às pessoas… Isso talvez seja uma prova bastante clara da minha maneira democrática de gerir o clube, maneira democrática de mostrar às pessoas o que está acontecendo. Quando você chama as pessoas pro seu lado e mostra: o problema é esse aqui, o problema tá desse tamanho, vamos resolver juntos… Promovi dentro do clube, acho que é por isso que tenho conseguido trazer as pessoas, nesses dez meses, não o que desejo ainda e não o que a torcida deseja, porque ainda cobra. Mas avançamos muito em termos de democratizar o clube. Promovi uma reforma do estatuto do clube, ampliando o poder do conselho deliberativo, o próprio sócio votar para presidente. Publiquei pela primeira vez na história, no site do clube, as contas. Criei um conselho consultivo, colocando pessoas que estavam alijadas. Toda ação tem uma reação. Não é do nada que eu tive apoio das pessoas. Como você falou, a oposição tem diminuído, mas ela não deixa de existir… Não é pela cor dos meus olhos (o deputado tem olhos azuis) que têm apoiado minha administração no clube.
Certamente não… É a primeira vez que o senhor processa um jornalista. Mas ele é uma das poucas vozes que critica a sua gestão.
Discordo de você. Nós temos uma pessoa lá em Salvador, um jornalista conhecido, um articulista conhecido, que tem feito severas críticas.
Samuel Celestino, criticado em nota pelo senhor.
E eu até respondi às críticas dele, mas não o processei, porque achei que as críticas dele não passaram do limite. Ele tem todo o direito de criticar e eu tenho todo o direito de mostrar meu ponto de vista. Porque não achei que ele passou do limite. Se ele assim o fizer, farei da mesma forma.
O senhor conhece a história de Joca?
Não, não o conheço e, sinceramente, eu fico bastante sentido por outro lado, porque não o conheço. Conheço a história dele de ouvir falar, mas nunca troquei palavra com ele, nunca apertei a mão dele. E ele não conhece as minhas intenções.
O último processo que ele recebeu, enquadrado na Lei de Segurança Nacional, foi na ditadura militar, movido por Antonio Carlos Magalhães, num período em que houve grande mobilização em defesa dele. Como vê isso?
Eu acho que… Na ditadura militar, foi isso?
Na ditadura militar.
Eu acho que já passou tanto tempo, estamos vivendo outro tempo, eu não sou Antonio Carlos Magalhães, eu não tenho nada a ver com Antonio Carlos Magalhães, pelo contrário… Tenho 50 anos de diferença em relação a ele…
O senhor integrou o grupo de Antonio Carlos Magalhães.
Já, já integrei o seu grupo. O que não significa que me fundi com suas ideias. Ele tinha as ideias dele, eu tinha as minhas, como continuo tendo. Você faz parte de um grupo de comunicação, você pensa igual a todos que estão aí?
Não, mas é diferente. O senhor está na política. Para entrar num partido, num grupo político, é preciso que tenha ideias que se conformem com o grupo. Ainda mais com Antonio Carlos Magalhães, que você conhecia bem…
Era. Concordo com você. Se conformam, mas não se fundem. Principalmente porque são duas pessoas diferentes, com raciocínios diferentes, com tirocínios diferentes, com experiências de vida diferentes, com diferença de idade extrema… Certamente, o João Carlos, que tem uma idade diferente da minha, pensa diferente de mim, carrega experiências diferentes, viveu um tempo diferente do meu. Não pode pensar como eu, nem eu posso pensar como ele.
O que o senhor exige no processo? Indenização?
Tecnicamente, eu não sei como a ação tramita. Mas o meu desejo era de que ele explicasse aquela parte que o dinheiro está descendo pelo ralo ou pelo bolso dos dirigentes. Quero saber se é pelo meu bolso. Quero saber como é que aconteceu. Tenho 33 anos e nunca sofri nenhum processo. As pessoas tomam o que sai em veículos de grande circulação como verdade. Preciso saber de onde saiu essa informação.
A torcida também não precisa saber das contas do Bahia, cobrar transparência? Historicamente, o senhor deve saber disso porque seu pai também foi presidente do clube, as transações de jogadores não são claras para a torcida. Tanto que há cobrança dos torcedores. O jornalista expressou a opinião de grande parte da torcida. O clube também não precisa responder?
Precisa, tanto assim o é que, pela primeira vez na história, está publicado no site as contas do Bahia. Está lá publicado. Neste trimestre, quando a gente fechar as contas, também vai publicar no site. Mais transparência do que isso eu não sei fazer. O torcedor deve continuar cobrando transparência de uma maneira absolutamente natural, e todo jornalista também. Só não deve passar do limite”.
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