De todos os clichês que aplicamos – cotidianamente – na nossa vida, um não encontra eco no futebol: A primeira impressão é a que fica. No futebol, esse maravilhoso simulacro de emoções, a impressão que marca, que distingue, que eterniza é a última. Onde você estava na hora do apito final de Dulcídio Wanderley Boschilia? Em qual parte da arquibancada você viu Preto acertar o ângulo de Zetti? O ato final é a marca indelével que caracteriza o título. Nossa tradição de finais, nossa preparação para a teatralidade do último jogo, nossa superstição precisa de data, horário, adversário e locais definidos. É uma comoção que não pode ser diluída em 38 rodadas: Desejamos que ela esteja concentrada como um extrato, queremos o sabor genuíno, sem suavizar o trago da vitória arrebatadora. Eis o arrebite da nossa paixão.
O Bahia precisava de um ato final lancinante para aplacar a dor da derrota na Copa do Nordeste. E tinha todos os elementos necessários: Uma placar extremamente adverso, um algoz invicto e motivado, muitos olhares de desconfiança, um teatro formidável e belo para se apresentar. O desafio – gigantesco poderia intimidar um clube de menor envergadura. Não o Bahia. A história do Esquadrão é recheada de episódios desta magnitude, o manto é cravejado de marcas deste passado glorioso, os heróis habitam e flanam no imaginário da torcida apaixonada.
Seria extremamente injusto que a equipe de Sérgio Soares deixasse como legado para a nossa memória duas derrotas em finais nesse semestre. Foi um time que resgatou a estima que andava escanteada pela sequência de temporadas de futebol anêmico e covarde. Um time que trouxe de volta o protagonismo no campo, traduzindo em triunfos, gols, números, a filosofia ofensiva e alegre que sempre caracterizou o Esporte Clube Bahia. Nasceu para vencer. Não nasceu para jogar pelo resultado. Não nasceu para pôr o regulamento embaixo do braço. Pagou caro quando perdendo por dois gols de diferença no primeiro jogo, lançou-se ao ataque e sofreu o terceiro. Era preciso provar que, mais que risco, aquele ato era a manifestação da nossa natureza. E que reverter tal quadro seria o ciclo natural da vida. Mesmo que o resultado não venha – como aconteceu na final em Fortaleza a luta não cessa até o trilar do apito. NINGUÉM nos vence em VIBRAÇÃO.
O semestre tricolor não merecia desfecho menos épico. Tive oportunidade de viajar para acompanhar o time pela Copa do Nordeste em Recife e Fortaleza. Viagens proveitosas, para além dos resultados em campo, experimentando as coisas boas que o esporte proporciona: Criar novas amizades, fortalecer antigos laços, curtir, resenhar [para usar um termo bem boleiro]. Claro, com direito a alguns percalços: Experimentar o lado ruim da rivalidade, o ambiente bélico e danoso que cada vez mais permeia as arquibancadas. O que me fez relembrar uma frase clássica de Napoleão Bonaparte militar e governante francês: A inveja é uma declaração de inferioridade. Perfeitamente compreensível que o Bahia seja tão hostilizado pelas outras torcidas nordestinas. Preocupar-me-ia se tal fato não ocorresse.
Como justiça e futebol não andam lado a lado e é bom que assim o seja, a equipe tricolor precisava sintetizar todo o trabalho deste ano em 90 minutos e três gols de diferença. Seria a exata medida entre o inferno da cobrança resultadista e o céu do alento lenitivo. É a taça na prateleira que conforta e restaura a fé dos adeptos [momento FM]. E com a volúpia de um herói ferido que precisa salvar o universo, o Bahia fez de uma tarefa hercúlea uma brincadeira de gincana. Em VINTE E TRÊS minutos o adversário estava liquidado, entregue e batido. O rival do campeão, valoroso vice-campeão esportivo, e os rivais que acompanhavam por rádios, TVs, celulares e afins, prostrados em seus sofás forrados de decepção e invídia.
Tais remontadas, viradas ponta-cabeça, gols salvadores no apagar das luzes, não passam de plot twistpara manter a audiência desavisada de olho no Esquadrão. O torcedor se agonia, se desespera e descabela [quem ainda possui flora capilar] mas no fundo sabe o final da história. Pode demorar a vir, pode exigir capítulos extras, pode testar sua paciência. Mas sabe que a recompensa virá. Há quem espere mais de um século atrás de um mínimo momento de regozijo agridoce, em vão. Quem se contente com as migalhas que sobram do enredo. Com o papel, às vezes elogiável, de coadjuvante em um cenário onde um Gigante de Aço ergueu QUARENTA E SEIS vezes a taça entre o céu e sua cabeça. A verdadeira marca da grandeza não consiste em nunca haver caído, mas em ter levantado sempre. Definitivamente, Napoleão era Bahia antes mesmo do Bahia existir.
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