Jogador é empregado

Sim, leitor, não se assuste: jogador é um empregado, como qualquer outro, com deveres e direitos, receba ele salário mínimo ou milhares de Reais por mês.

O historiador Eric J. Hobsbawn afirmava que as pessoas raramente exigem direitos, lutam por eles ou se preocupam com eles, a não ser que não os desfrutem suficientemente ou de nenhuma forma, ou, caso desfrutem deles, a não ser que sintam que esses direitos não estão seguros¹.

O movimento do “Bom Senso Futebol Clube” tem reivindicado, dentre outros, apenas que sejam respeitados os seus direitos mínimos, como o direito ao gozo de férias – que somente tem previsão legal há mais de setenta anos.

O objetivo desta coluna não é o de discutir a pauta de reivindicação daquele movimento, mas um aspecto que é tratado com normalidade: a imposição de multas a jogadores de futebol, por partes dos clubes, com desconto de parte do salário.

O art. 15, § 1º, da Lei 6.354/76 autorizava que o atleta profissional sofresse penalidade pecuniária, entretanto a referida lei – que regulava as relações de trabalho do jogador profissional – foi revogada pela “Lei Pelé” (Lei nº 9.615/98).

Mesmo quando estava em vigência, o referido dispositivo legal, havia controvérsia quanto a sua aplicação, ante os termos do art. 462, da CLT, que implicitamente proíbe que o desconto salarial tenha natureza de multa, isto porque a legislação e jurisprudência trabalhistas admitem apenas três tipos de punições disciplinares: advertência, suspensão e dispensa por justa causa.

O salário – frise-se, de qualquer empregado, independentemente do seu valor – somente pode sofrer desconto nas hipóteses legais (adiantamentos, Imposto de renda, INSS…), quando há autorização do empregado (planos da saúde, empréstimo consignado…) ou quando ele causar prejuízos intencionalmente.

Ou seja, em nenhuma hipótese o salário de um jogador pode sofrer desconto, como forma de punição disciplinar.

Salário, juridicamente, é a contraprestação pelo trabalho desempenhado pelo empregado. Simples assim: trabalhou, recebe salário e ponto – ele não pode ser reduzido ao bel prazer do empregador.

Há hipóteses em que o empregado percebe salário mesmo sem trabalhar, como no seu repouso semanal ou nas suas férias, por exemplo, mas jamais haverá caso em que ele trabalha e não recebe, mesmo porque uma das características do contrato de trabalho é a onerosidade (pagamento).

Recentemente, um jogador do Atlético Mineiro sofreu o desconto de vinte por cento do seu salário, pois questionou a sua substituição em um jogo – o que foi considerado como ato de insubordinação pela direção do clube mineiro.

Caso assim entendesse, o jogador poderia ser advertido, suspenso ou até despedido por justa causa – desde que houvesse proporção entre a punição e a sua conduta.

Ora, se um empregado agredir fisicamente o seu empregador e for despedido por justa causa, ele receberá o saldo de salário dos dias trabalhados no mês, mas, se, este mesmo empregado for um jogador, e não concordar em sair de um jogo, ele terá 20% do seu salário descontado, e continuará jogando normalmente.

O pior é que todos consideram ser normal essa situação.

Como este espaço é sobre o Bahia: anseio que a nova direção do Bahia respeite a legislação trabalhista, em todos os seus aspectos, e em relação a todos os seus empregados, sejam eles atletas profissionais ou não.

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Desejo a todos um Feliz 2014 e BBMP, sempre.

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¹ HOBSBAWN, Eric J. Mundos do Trabalho, tradução de Waldea Barcellos e Sandra Bedran – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 418.